Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/2005

Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/2005, de 27 de Abril

O Programa do XVII Governo Constitucional, tendo em conta as situações de exclusão e de desigualdade social em saúde existentes no País, exige a reorganização do sistema de saúde a vários níveis.
Estima-se que nas próximas décadas aumentem substancialmente as necessidades de cuidados de saúde da população mais idosa, paralelamente a um aumento acentuado de prevalência de doenças de evolução prolongada e com elevado grau incapacitante, as quais reclamam, sob pena de criarem situações de exclusão e desigualdade social, mudanças das políticas de saúde e de solidariedade social.
Muitas destas situações, de maior risco ou vulnerabilidade, existentes em Portugal exigem que se diferenciem e se personalizem as respostas de cuidados de saúde de acordo com as condições particulares dos seus destinatários.
Uma das respostas diferenciadas é determinada pelas necessidades específicas das pessoas idosas e das pessoas com elevado grau de perda de autonomia, as quais obrigam, na organização social actual, a um processo integrador de duas dimensões indissociáveis: a da saúde e a da segurança social.
É neste contexto que se insere o conceito e a prática de cuidados continuados ou de longa duração, onde a complementaridade entre as famílias e o apoio público atinge o seu expoente máximo.
O envelhecimento demográfico e as alterações no padrão epidemiológico e na estrutura social e familiar, verificadas em Portugal, determinam novas necessidades em saúde, para as quais urge organizar respostas adequadas, uma vez que os últimos anos de vida são, frequentemente, acompanhados de situações de fragilidade e de incapacidade, mas muitas vezes susceptíveis de prevenção, tratamento e recuperação e, sempre, com possibilidade de manutenção da dignidade e qualidade de vida. Na verdade, o grupo de portugueses com mais de 65 anos constitui cerca de 17% da população do continente, chegando a atingir 20% nos grandes centros urbanos, e com um índice de dependência, face à população em idade produtiva, estimado em cerca de 24%, sendo que cerca de 300000 vivem em situação de isolamento.
A integração dos cuidados continuados na malha dos serviços prestados à população com necessidades comuns exige, assim, não só a revisão dos paradigmas habitualmente usados na abordagem curativa dos cuidados de saúde como também na revisão dos cuidados de natureza comunitária.
Acresce que uma das metas do Programa do Governo consiste na definição de políticas de saúde integradas no Plano Nacional de Saúde, as quais devem permitir: desenvolver acções mais próximas dos cidadãos idosos e das pessoas em situação de dependência; promover, de forma adequada e com equidade, na sua distribuição territorial, a possibilidade de uma vida mais autónoma e de maior qualidade; humanizar os cuidados; potenciar os recursos locais; ajustar-se à diversidade que caracteriza o envelhecimento individual e à perda de funcionalidade.
Para uma obtenção mais rápida de ganhos de saúde junto desta população visa-se garantir a prática integrada dos cuidados continuados, promovendo a criação de serviços comunitários de proximidade (SCP) e a indispensável articulação entre centros de saúde, hospitais, unidades de cuidados continuados, unidades de cuidados paliativos e serviços e instituições de apoio social.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 – Adoptar como orientações para a estruturação dos cuidados de saúde às pessoas idosas e às pessoas em situação de dependência os seguintes princípios fundamentais:
1.1 – Respeito pela dignidade da pessoa humana idosa ou em situação de dependência, designadamente pelo direito à privacidade, à identidade, à informação e à não discriminação;
1.2 – Incentivo ao exercício da cidadania, traduzido na capacidade da pessoa idosa ou em situação de dependência para participar na vida de relação e na vida colectiva;
1.3 – Participação das pessoas idosas ou em situação de dependência, ou do seu representante legal, na elaboração do plano de cuidados e no encaminhamento para as respostas da rede;
1.4 – Respeito pela integridade física e moral da pessoa idosa ou em situação de dependência, assegurando o seu consentimento informado ou do respectivo representante legal nas intervenções ou prestação de cuidados;
1.5 – Envolvimento da família e ou cuidados principais na prestação dos cuidados, enquanto núcleo privilegiado para o equilíbrio e bem-estar das pessoas idosas ou em situação de dependência;
1.6 – Promoção, recuperação ou manutenção contínua da autonomia, que consiste na prestação de cuidados aptos a melhorar os níveis de autonomia e de bem-estar dos utilizadores;
1.7 – Proximidade dos cuidados, de modo a manter o contexto relacional social ou promover a inserção social da pessoa idosa ou em situação de dependência.
2 – Criar, na dependência do Ministro da Saúde, a Comissão para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde às Pessoas Idosas e às Pessoas em Situação de Dependência, adiante designada abreviadamente por Comissão, cuja composição será aprovada por despacho conjunto dos Ministros da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social.
3 – Incumbir a Comissão ora criada da prossecução dos seguintes objectivos:
3.1 – Identificar as necessidades não satisfeitas no que concerne aos cuidados de saúde às pessoas idosas e às pessoas em situação de dependência;
3.2 – Efectuar, no prazo de 90 dias a contar da publicação do despacho referido no n.º 2 da presente resolução, um levantamento da oferta instalada, pública, privada e do sector social, neste domínio;
3.3 – Recolher e organizar contributos de diversos parceiros sociais e institucionais relevantes para a concepção, criação, desenvolvimento e acompanhamento dos serviços comunitários de proximidade destinados à prestação de cuidados de saúde a pessoas idosas e às pessoas em situação de dependência, nomeadamente no que concerne às situações de cuidados paliativos, no prazo de 90 dias a contar da publicação do despacho referido no n.º 2 da presente resolução;
3.4 – Propor, igualmente no prazo de 90 dias a contar da publicação do despacho referido no n.º 2 da presente resolução, um modelo de intervenção para os cuidados de saúde às pessoas idosas e às pessoas em situação de dependência, para discussão entre serviços e operadores presentes no terreno;
3.5 – Propor, no prazo de 90 dias após a conclusão do levantamento e da definição do modelo de intervenção mencionado no número anterior, um plano de acção, a aprovar pelos Ministros de Estado e das Finanças, da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social, de onde resulte a previsão da criação progressiva de serviços comunitários de proximidade em todo o País, através de parcerias promovidas pelos centros de saúde com instituições locais de solidariedade social e autarquias e da articulação entre centros de saúde, hospitais e unidades de cuidados continuados ou cuidados de longa duração e unidades de cuidados paliativos e unidades de tratamento de dor, bem como conclusões que permitam:
a) Elaborar proposta de revisão da legislação existente em matéria de cuidados continuados e de longa duração;
b) Identificar as medidas e acções a executar, distinguindo aquelas que podem ser executadas a curto prazo, para concretização dos objectivos políticos do Programa do Governo, nesta matéria;
c) Identificar problemas sentidos pelas equipas de cuidados continuados já a funcionar, que possam ser ultrapassados rapidamente através de ajustamentos organizativos e legislativos.
4 – Com vista ao aprofundamento do trabalho técnico em áreas específicas, facultar à Comissão a possibilidade de solicitar, para coadjuvar a sua actividade, a constituição de grupos de trabalho temáticos, nomeadamente em matéria de recursos humanos, qualidade ou licenciamento das instalações, podendo igualmente propor a constituição de grupos operativos locais, para a implementação e acompanhamento de serviços comunitários de proximidade.
5 – Facultar à Comissão a possibilidade de, quando o considerar útil ou oportuno, solicitar a audição, por proposta do seu presidente, de personalidades de reconhecido mérito e competência neste domínio e ou de organizações determinantes para o sucesso da sua missão.
6 – Autorizar a Comissão a requerer directamente aos serviços e organismos sob tutela ou dependência dos Ministros da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social o apoio e os pareceres que necessitar para a eficaz prossecução da sua actividade.
7 – Fixar o termo do mandato da Comissão em 31 de Dezembro de 2005.
8 – Determinar que os elementos da Comissão, bem como os membros que vierem a constituir os grupos temáticos e operativos previstos na presente resolução para coadjuvar a Comissão, desenvolverão as suas funções a título gratuito.
9 – Determinar que as despesas resultantes da actividade da Comissão serão suportadas pelo serviço central de apoio aos gabinetes dos membros do Governo na área da saúde.
10 – Determinar que seja concedida dispensa de serviço aos profissionais que integrarem a Comissão, o grupo consultivo e os grupos operativos, sempre que solicitados a ausentarem-se dos seus locais de trabalho para colaborarem nesta missão.
11 – Determinar que o presidente da Comissão dará conta trimestralmente do andamento dos trabalhos, através de relatórios de situação.
12 – Determinar que a Comissão concluirá o seu trabalho com um relatório final descrevendo o progresso alcançado e contendo recomendações.

Presidência do Conselho de Ministros, 7 de Abril de 2005. – O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.