Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2002

Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2002

O Governo lançou um amplo e ambicioso programa de reforma e inovação da gestão hospitalar. O programa em apreço compreende um vasto conjunto de medidas, entre as quais, pelo seu carácter estruturante, assumem particular destaque o desenvolvimento de modelos inovadores de gestão, através do lançamento de parcerias público-privadas e parcerias público-públicas e da «empresarialização» de hospitais.

A «empresarialização» de hospitais constitui um vector essencial da reforma da gestão hospitalar em curso e um factor indispensável para melhorar o nível de desempenho global do Serviço Nacional de Saúde, potenciando ganhos de saúde acrescidos e assegurando as condições de base da sua sustentabilidade, em termos duradouros.

Existe um amplo reconhecimento da necessidade de inovação, no sector da saúde, relativamente ao paradigma tradicional da autonomia dos serviços da Administração Pública – de pendor burocrático-administrativo e cingida ao regime jurídico-financeiro dos mesmos serviços, no quadro da contabilidade pública -, privilegiando uma independência e agilidade mais acentuadas da organização e da gestão dos hospitais públicos nas diversas áreas da sua actuação.

Tal opção é expressamente admitida na Lei de Bases da Saúde, ao estabelecer que a gestão das unidades de saúde obedece, quanto possível, a regras de gestão empresarial e ao permitir experiências inovadoras de gestão.

Face à dinâmica da actividade desenvolvida pela instituição hospitalar, por definição vocacionada para a satisfação de necessidades dos cidadãos nas quais ressalta a premência, a exigência de qualidade técnica e a constante actualização dos meios disponíveis, importa proporcionar saltos qualitativos em aspectos como, em especial, o dos recursos humanos, cuja dimensão é seguramente a mais relevante na prestação de cuidados de saúde, e como o do processo de aquisições, que, múltiplas vezes, se ressentem dos formalismos e delongas existentes na administração pública hierárquica.
Muito relevantes são as aquisições da experiência prática dos anos mais recentes, em particular a da criação de estruturas hospitalares abertamente qualificadas como estabelecimentos públicos personalizados com autonomia administrativa, financeira e patrimonial e com natureza empresarial – o que sucedeu, em desenvolvimento da base XXXVI da Lei de Bases da Saúde, com o Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira (Decreto-Lei n.º 151/98, de 5 de Junho), com a Unidade Local de Saúde de Matosinhos (Decreto-Lei n.º 207/99, de 9 de Junho) e com o Hospital do Barlavento Algarvio (Decreto-Lei n.º 76/2001, de 27 de Fevereiro).

Urge introduzir novas experiências, definindo uma regulamentação alternativa que vise a própria base organizacional das entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares em termos mais vincadamente empresariais, de modo a induzir uma gestão capaz de criterioso equilíbrio entre equidade e eficácia, ou seja, de obter dos recursos disponíveis «o maior proveito socialmente útil» e de «evitar o desperdício e a utilização indevida dos serviços» como é directriz geral da política de saúde [n.º 1, alínea e), da base II da referida Lei n.º 48/90].

A alternativa que agora se oferece é passar decisivamente destes institutos públicos sob a espécie de estabelecimentos de carácter social, integrados no sector público administrativo – ainda que regidos subsidiariamente pelas normas aplicáveis às empresas públicas – para entidades típicas do sector empresarial do Estado. O Ministério da Saúde vem desenvolvendo trabalhos preparatórios neste preciso sentido, estando agora os mesmos em condições de ser ultimados.

Para tal efeito, importa obedecer ao imperativo constitucional de pautar o novo regime legal pelas bases gerais que hoje se encontram definidas no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro. No âmbito deste regime, a opção pela figura da entidade pública empresarial (EPE), justificada pela maior proximidade com a natureza dos serviços cuja estrutura se intenta transformar, não prejudica que na devida altura se possa vir a recorrer ao modelo da sociedade comercial de capitais públicos, espécie do mesmo género que é a empresa pública.

Esta reforma é consensualmente urgente e devem ser dados os passos indispensáveis para a concretizar durante a execução orçamental de 2002.

Importa salientar que, no âmbito do Programa de Estabilidade e Crescimento (actualização para o período de 2002-2005) apresentado à União Europeia, Portugal se comprometeu expressamente a «converter em empresas públicas hospitais de média dimensão e com capacidade estrutural e experiência positiva de desempenho que lhes permita, com dotação extraordinária de capital, melhorar as condições de qualidade e eficiência de desempenho e resolver o passivo acumulado».

Nesta conformidade, está o Governo autorizado a proceder a alterações orçamentais adequadas a viabilizar a criação de estabelecimentos hospitalares e centros de saúde dotados de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira (artigo 4.º, n.º 2, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro).

Encontram-se, pois, reunidas as condições para dar início à criação das empresas públicas hospitalares, processo que implicará a aprovação, caso a caso, de um decreto-lei.

Para tanto, há que desencadear desde já as necessárias medidas preparatórias, por forma a poder dar execução, em tempo útil, à faculdade criada pela Lei do Orçamento e ao compromisso com a União Europeia.

Assim, o procedimento de identificação das unidades hospitalares a transformar em EPE deve obedecer a um processo célere para que Portugal possa honrar o Programa de Estabilidade e Crescimento e aplicar a Lei do Orçamento.

Este procedimento deve ser participado e envolver as entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares, as administrações regionais de saúde e as estruturas centrais do Ministério da Saúde.

Deste modo, estabelece-se uma fase de manifestação de interesse por parte das unidades hospitalares, a que se segue uma fase de candidatura coordenada pelas administrações regionais de saúde, que possibilitará a avaliação e escolha.

Posteriormente, por despacho do Ministro da Saúde, identificar-se-ão as unidades hospitalares que serão, caso a caso, transformadas em EPE por decreto-lei, de acordo com as linhas de orientação relativas ao estatuto tipo.

Este procedimento desencadeará, em cada unidade prestadora de cuidados hospitalares a transformar em EPE, necessidades de assessoria jurídico-financeira com possível recurso a entidades privadas, implicando o cumprimento das formalidades legais previstas na legislação enquadradora de aquisição de serviços pela Administração Pública. Este facto, conjugado com as obrigações atrás identificadas – execução da Lei do Orçamento e do Programa de Estabilidade e Crescimento (actualização para o período de 2002-2005) apresentado à União Europeia -, justifica o lançamento desde já destas medidas numa fase em que o Governo se encontra constitucionalmente em gestão.

Assim:

Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

1 – Determinar a ultimação, no prazo máximo de 30 dias e no âmbito do Ministério da Saúde, das linhas de orientação relativas ao estatuto tipo de hospital, centro hospitalar ou unidade local de saúde, com a natureza formal de entidade pública empresarial (EPE), modelo a ser adoptado casuisticamente, mediante decreto-lei, com as adaptações que em cada caso se revelem necessárias.

2 – No modelo estatutário a que alude o n.º 1 serão abrangidos, designadamente, os seguintes aspectos:
a) Natureza, capacidade e autonomia da EPE;
b) Titularidade do capital estatutário e limites à eventual transmissibilidade das participações, a qual apenas poderá ter lugar entre entidades públicas;
c) Órgãos de gestão, fiscalização e direcção técnica, sua composição, competência e forma de designação e destituição dos respectivos titulares;
d) Forma de elaboração e aprovação do regulamento interno e matérias por ele regidas;
e) Instrumentos de gestão previsional, controlo financeiro e prestação de contas;
f) Orientações da política de recursos humanos e previsão do regime regra do contrato individual de trabalho e de eventuais regimes especiais aplicáveis a funcionários e agentes da Administração Pública;
g) Âmbito específico da tutela dos Ministérios da Saúde e das Finanças;
h) Regras próprias de avaliação e acompanhamento, pelas autoridades de saúde, da execução da política nacional de saúde.

3 – As linhas de orientação, referidas no n.º 1, serão divulgadas, junto dos hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde, pelas administrações regionais de saúde, a quem incumbe apoiar o projecto de transformação em EPE das entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares, nos termos a seguir estabelecidos.

4 – São condições básicas de elegibilidade para a transformação em EPE as entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares que apresentam uma dimensão média, uma dívida acumulada inferior a 35% da despesa total do ano anterior e capacidade demonstrada de gestão.

5 – O procedimento de escolha das entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares será iniciado através de requerimento do órgão de gestão do respectivo estabelecimento, após consulta ao conselho geral, à administração regional de saúde competente, e enviado no prazo máximo de 45 dias, contados a partir da data de publicação da presente resolução.

6 – As administrações regionais de saúde terão a faculdade de propor, no mesmo prazo, a transformação em EPE de outras entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares, desde que seja respeitado o critério previsto no n.º 4.

7 – O Ministro da Saúde decidirá, de entre os pedidos apresentados pelos órgãos de gestão das entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares e das propostas das administrações regionais de saúde, aqueles que deverão ser objecto de elaboração de projecto de transformação em EPE.

8 – O projecto de transformação empresarial deve fundar-se obrigatoriamente em estudo prévio de viabilidade económico-financeira e incluir propostas concretas de estrutura de gestão e de um contrato-programa plurianual de gestão, bem como um projecto de regulamento interno.

9 – No seguimento do despacho previsto no n.º 7, o projecto de transformação referido no número anterior deverá ser elaborado e apresentado no prazo máximo de 150 dias pelas entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares, que serão assistidas pelas administrações regionais de saúde competentes.

10 – Reconhece-se a urgência imperiosa na elaboração de cada projecto referido no n.º 8 para efeitos de adopção do procedimento de consulta prévia previsto na secção III do capítulo III do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, por parte das entidades hospitalares, na contratação de entidades de reconhecida idoneidade.

11 – O Ministro da Saúde fixará por despacho as formas e critérios de apreciação dos projectos apresentados e nomeará uma comissão de selecção por cada administração regional de saúde envolvida, que os avaliará no prazo máximo de 30 dias.

12 – O Ministro da Saúde escolherá as entidades públicas prestadoras de cuidados hospitalares a transformar em EPE, atendendo à melhoria de cuidados de saúde proposta e à necessária diminuição da despesa pública.

13 – À Estrutura de Missão Parcerias-Saúde caberá a coordenação central do processo de transformação estatutária em EPE, designadamente através da elaboração de linhas de orientação, instrumentos contratuais e de gestão, bem como a emissão de pareceres.

14 – Desencadeado o processo legislativo de criação de cada EPE, serão oportunamente ouvidas, nos termos legais, as entidades representativas dos profissionais do sector.

Presidência do Conselho de Ministros, 14 de Fevereiro de 2002. – O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.