Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro
Aprova o novo regime jurídico da gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1.º
Alterações
As bases XXXI, XXXIII, XXXVI e XL da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, passam a ter a seguinte redacção:
«Base XXXI
Estatuto dos profissionais de saúde do Serviço NacionaI de Saúde
1 – Os profissionais de saúde que trabalham no Serviço Nacional de Saúde estão submetidos às regras próprias da Administração Pública e podem constituir-se em corpos especiais, sendo alargado o regime laboral aplicável, de futuro, à lei do contrato individual de trabalho e à contratação colectiva de trabalho.
2 – …
3 – …
4 – …
Base XXXIII
Financiamento
1 – O Serviço Nacional de Saúde é financiado pelo Orçamento do Estado, através do pagamento dos actos e actividades efectivamente realizados segundo uma tabela de preços que consagra uma classificação dos mesmo actos, técnicas e serviços de saúde.
2 – …
a) …
b) …
c) …
d) …
e) …
f) …
g) …
Base XXXVI
Gestão dos hospitais e centros de saúde
1 – …
2 – …
3 – A lei pode prever a criação de unidades de saúde com a natureza de sociedades anónimas de capitais públicos.
Base XL
Profissionais de saúde em regime liberal
1 – …
2 – O exercício de qualquer profissão que implique a prestação de cuidados de saúde em regime liberal é regulamentado e fiscalizado pelo Ministério da Saúde, sem prejuízo das funções cometidas à Ordem dos Médicos, à Ordem dos Enfermeiros e à Ordem dos Farmacêuticos.
3 – …
4 – …»
Artigo 2.º
Gestão hospitalar
É aprovado o regime jurídico da gestão hospitalar, o qual consta em anexo à presente lei e da qual faz parte integrante.
Artigo 3.º
Disposição transitória
Até à publicação da regulamentação prevista na presente lei mantém-se em vigor o Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22 de Janeiro.
Artigo 4.º
Norma revogatória
É revogado o Decreto-Lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no prazo de 60 dias após a publicação, com excepção da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º e do capítulo III do regime jurídico da gestão hospitalar, que entram em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Aprovada em 26 de Setembro de 2002.
O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.
Promulgada em 24 de Outubro de 2002.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 29 de Outubro de 2002.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.
ANEXO
REGIME JURÍDICO DA GESTÃO HOSPITALAR
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Âmbito
1 – A presente lei aplica-se aos hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde.
2 – A rede de prestação de cuidados de saúde abrange os estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), os estabelecimentos privados que prestem cuidados aos utentes do SNS e outros serviços de saúde, nos termos de contratos celebrados ao abrigo do disposto no capítulo IV, e os profissionais em regime liberal com quem sejam celebradas convenções.
Artigo 2.º
Natureza jurídica
1 – Os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde podem revestir uma das seguintes figuras jurídicas:
a) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial;
b) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial;
c) Sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos;
d) Estabelecimentos privados, com ou sem fins lucrativos, com quem sejam celebrados contratos, nos termos do n.º 2 do artigo anterior.
2 – O disposto no número anterior não prejudica a gestão de instituições e serviços do SNS por outras entidades, públicas ou privadas, mediante contrato de gestão ou em regime de convenção por grupos de médicos, nos termos do Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, podendo aderir à mesma outros profissionais de saúde, em termos a definir no despacho que autorize a convenção.
Artigo 3.º
Exercício da actividade
1 – A capacidade jurídica dos hospitais abrange todos os direitos e obrigações necessários à prossecução dos seus fins.
2 – O exercício da actividade hospitalar pelas entidades referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo anterior está sujeito a licenciamento prévio, nos termos da legislação aplicável.
Artigo 4.º
Princípios gerais na prestação de cuidados de saúde
Na prestação de cuidados de saúde observam-se os seguintes princípios gerais:
a) Liberdade de escolha do estabelecimento hospitalar, em articulação com a rede de cuidados de saúde primários;
b) Prestação de cuidados de saúde, com humanidade e respeito pelos utentes;
c) Atendimento de qualidade, com eficácia e em tempo útil aos utentes;
d) Cumprimento das normas de ética e deontologia profissionais.
Artigo 5.º
Princípios específicos da gestão hospitalar
Os hospitais devem pautar a respectiva gestão pelos seguintes princípios:
a) Desenvolvimento da actividade de acordo com instrumentos de gestão previsional, designadamente planos de actividade, anuais e plurianuais, orçamentos e outros;
b) Garantia aos utentes da prestação de cuidados de saúde de qualidade com um controlo rigoroso dos recursos;
c) Desenvolvimento de uma gestão criteriosa no respeito pelo cumprimento dos objectivos definidos pelo Ministro da Saúde;
d) Financiamento das suas actividades em função da valorização dos actos e serviços efectivamente prestados, tendo por base a tabela de preços e os acordos que se encontrem em vigor no SNS;
e) Promoção da articulação funcional da rede de prestação de cuidados de saúde;
f) Aplicação do Plano Oficial de Contas do Ministério da Saúde.
Artigo 6.º
Poderes do Estado
1 – O Ministro da Saúde exerce em relação aos hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde e na parte das áreas e actividade, centros e serviços nela integrados, os seguintes poderes:
a) Definir as normas e os critérios de actuação hospitalar;
b) Fixar as directrizes a que devem obedecer os planos e programas de acção, bem como a avaliação da qualidade dos resultados obtidos nos cuidados prestados à população;
c) Exigir todas as informações julgadas necessárias ao acompanhamento da actividade dos hospitais;
d) Determinar auditorias e inspecções ao seu funcionamento, nos termos da legislação aplicável.
2 – Os hospitais devem facultar ao Ministro da Saúde, sem prejuízo da prestação de outras informações legalmente exigíveis, os seguintes elementos, visando o seu acompanhamento e controlo:
a) Os documentos oficiais de prestação de contas, conforme definido no Plano Oficial de Contas do Ministério da Saúde;
b) Informação periódica de gestão sobre a actividade prestada e respectivos indicadores.
Artigo 7.º
Órgãos
Os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde compreendem órgãos de administração, de fiscalização, de apoio técnico e de consulta.
Artigo 8.º
Informação pública
O Ministério da Saúde divulga, anualmente, um relatório com os resultados da avaliação dos hospitais que integram a rede de prestação de cuidados de saúde mediante um conjunto de indicadores que evidencie o seu desempenho e eficiência.
CAPÍTULO II
Hospitais do sector público administrativo (SPA)
SECÇÃO I
Estabelecimentos públicos
Artigo 9.º
Regime aplicável
1 – Os hospitais previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º regem-se pelas normas do capítulo I, pelas normas do presente capítulo, pelas normas do SNS, pelos regulamentos internos e, subsidiariamente, pelas normas aplicáveis ao SPA.
2 – A atribuição da natureza jurídica referida no número anterior a hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde efectua-se mediante diploma próprio do Governo.
Vide Decreto-Lei n.º 188/2003, do Ministério da Saúde, de 20 de Agosto
Artigo 10.º
Princípios específicos da gestão hospitalar do SPA
1 – A gestão dos hospitais abrangidos pelo n.º 1 do artigo 9.º observa os seguintes princípios específicos:
a) Garantia da eficiente utilização da capacidade instalada, designadamente pelo pleno aproveitamento dos equipamentos e infra-estruturas existentes e pela diversificação do regime de horário de trabalho, de modo a alcançar uma taxa óptima da utilização dos recursos disponíveis;
b) Elaboração de planos anuais e plurianuais e celebração de contratos-programa com a administração regional de saúde (ARS) respectiva, de acordo com o princípio contido na alínea d) do artigo 5.º, nos quais sejam definidos os objectivos a atingir e acordados com a tutela, e os indicadores de actividade que permitam aferir o desempenho das respectivas unidades e equipas de gestão;
c) Avaliação dos titulares dos órgãos de administração, dos directores dos departamentos e de serviços e dos restantes profissionais, de acordo com o mérito do seu desempenho, sendo este aferido pela eficiência demonstrada na gestão dos recursos e pela qualidade dos cuidados prestados aos utentes;
d) Promoção de um sistema de incentivos com o objectivo de apoiar e estimular o desempenho dos profissionais envolvidos, com base nos ganhos de eficiência conseguidos, incentivos que se traduzem na melhoria das condições de trabalho, na participação em acções de formação e estágios, no apoio à investigação e em prémios de desempenho;
e) Articulação das funções essenciais da prestação de cuidados e de gestão de recursos em torno dos directores de departamento e de serviço, sendo-lhes reconhecido, sem prejuízo das competências dos órgãos de administração, autonomia na organização do trabalho e os correspondentes poderes de direcção e disciplinar sobre todo o pessoal que integra o seu departamento ou serviço, independentemente da sua carreira ou categoria profissional, com a salvaguarda das competências técnica e científica atribuídas por lei a cada profissão;
f) Nos casos em que a garantia da satisfação dos utentes de acordo com padrões de qualidade e a preços competitivos o justifique, a possibilidade de cessão de exploração ou subcontratação, nos termos da alínea f) do artigo 12.º, de um centro de responsabilidade, ou de um serviço de acção médica, a grupos de profissionais de saúde ou a entidades públicas ou privadas que demonstrem capacidade e competência técnicas.
2 – Os directores de departamento e de serviço respondem perante os conselhos de administração dos respectivos hospitais, que fixam os objectivos e os meios necessários para os atingir e definem os mecanismos de avaliação periódica.
3 – As comissões de serviço dos directores de departamento e de serviço para além das situações previstas no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 73/90, de 6 de Março, quando se trate de profissionais designados ao abrigo desta lei, podem ser dadas por findas, a todo o tempo, pelo respectivo conselho de administração, em resultado do incumprimento dos objectivos previamente definidos.
Vide Decreto-Lei n.º 188/2003, do Ministério da Saúde, de 20 de Agosto
Artigo 11.º
Organização interna
1 – A estrutura orgânica dos hospitais, bem como a composição, competências e funcionamento dos órgãos hospitalares, consta de regulamento a aprovar por diploma próprio do Governo.
2 – Os hospitais dispõem de um regulamento interno aprovado nos termos definidos pelo diploma a que se refere o número anterior.
3 – Para a prossecução dos princípios definidos no artigo anterior, os hospitais devem organizar-se e desenvolver a sua acção por centros de responsabilidade e de custos.
Vide Decreto-Lei n.º 188/2003, do Ministério da Saúde, de 20 de Agosto
Artigo 12.º
Tutela específica
1 – Para além das competências referidas no artigo 6.º, compete ainda ao Ministro da Saúde, com faculdade de delegação na ARS:
a) Aprovar os planos de actividade e financeiros plurianuais;
b) Aprovar os planos de actividade e os orçamentos de exploração e investimento anuais, bem como as respectivas alterações;
c) Aprovar os documentos de prestação de contas;
d) Aprovar as tabelas de preços a cobrar, nos casos previstos na lei;
e) Homologar os contratos-programa;
f) Autorizar os contratos de cessão de exploração ou subcontratações previstas na alínea f) do artigo 10.º;
g) Criar, extinguir ou modificar departamentos, serviços e unidades hospitalares.
2 – Compete aos Ministros das Finanças e da Saúde:
a) Autorizar, nos termos da lei e nos limites das suas competências, a compra ou alienação de imóveis;
b) Definir os parâmetros da negociação a incluir nos instrumentos de regulamentação colectiva.
Artigo 13.º
Receitas dos hospitais
Constituem receitas dos hospitais:
a) As dotações do Orçamento do Estado produto dos contratos-programa, previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º;
b) O pagamento de serviços prestados a terceiros nos termos da legislação em vigor e dos acordos e tabelas aprovados, bem como as taxas moderadoras;
c) Outras dotações, comparticipações e subsídios do Estado ou de outras entidades;
d) O rendimento de bens próprios;
e) O produto da alienação de bens próprios e da constituição de direitos sobre os mesmos;
f) As doações, heranças ou legados;
g) Quaisquer outros rendimentos ou valores que resultem da sua actividade ou que, por lei ou contrato, lhe devam pertencer.
Artigo 14.º
Pessoal
1 – Os funcionários e agentes da Administração Pública que prestam serviço nos hospitais à data da entrada em vigor da presente lei regem-se pelas normas gerais aplicáveis, de acordo com o disposto na base XXXI da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto
2 – A admissão de pessoal pelos hospitais após a entrada em vigor da presente lei pode reger-se de acordo com os princípios da publicidade, da igualdade, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público e pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho.
3 – Exceptua-se do disposto no número anterior o pessoal em formação que esteja ou venha a ser contratado para esse fim, ao qual se aplica o contrato administrativo de provimento.
4 – Ao pessoal com relação jurídica de emprego público que opte pelo regime de contratação individual de trabalho é aplicável o disposto nos artigos 21.º e 22.º do Estatuto do SNS.
Artigo 15.º
Hospitais com ensino e investigação
Sem prejuízo da aplicação da presente lei aos hospitais com ensino pré-graduado e de investigação científica, os mesmos são objecto de diploma próprio quanto aos aspectos relacionados com a interligação entre o exercício clínico e as actividades da formação e da investigação, no domínio do ensino dos profissionais de saúde.
Sobre esta matéria vide Decreto-Lei n.º 206/2004, de 19 de Agosto
Artigo 16.º
Acordos com entidades privadas
Mediante autorização do Ministro da Saúde, os hospitais podem associar-se e celebrar acordos com entidades privadas que visem a prestação de cuidados de saúde, com o objectivo de optimizar os recursos disponíveis.
Artigo 17.º
Grupos e centros hospitalares
1 – Aos centros hospitalares aplica-se uma única estrutura de órgãos, nos termos previstos nesta lei.
2 – Cada estabelecimento hospitalar integrado em grupo hospitalar pode ter uma estrutura de órgãos própria, nos termos previstos na presente lei.
SECÇÃO II
Estabelecimentos públicos com natureza empresarial
Artigo 18.º
Regime aplicável
1 – Os hospitais previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º regem-se pelo respectivo diploma de criação, pelos seus regulamentos internos, pelas normas em vigor para os hospitais do SNS que não sejam incompatíveis com a sua natureza jurídica e, subsidiariamente, pelo regime jurídico geral aplicável às entidades públicas empresariais, não estando sujeitos às normas aplicáveis aos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos autónomos.
2 – O disposto no número anterior não prejudica o cumprimento das disposições gerais constantes do capítulo I.
3 – Os hospitais que revistam a natureza jurídica de estabelecimentos públicos dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial constam de diploma próprio do Governo.
CAPÍTULO III
Sociedades anónimas de capitais públicos
Artigo 19.º
Regime
1 – Os hospitais previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º regem-se pelo disposto no capítulo I desta lei em tudo o que não seja incompatível com a sua natureza jurídica, pelo presente capítulo e nos respectivos diplomas de criação, onde constam os estatutos necessários ao seu funcionamento, pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado, pela lei reguladora das sociedades anónimas, bem como pelas normas especiais cuja aplicação decorra do seu objecto social e do seu regulamento.
2 – A titularidade do capital social pertence apenas ao Estado e a empresas de capitais exclusivamente públicos, nos termos a definir nos respectivos diplomas de criação.
3 – Os direitos do Estado como accionista, bem como os poderes de tutela económica, são assegurados conjuntamente pelos Ministérios das Finanças e da Saúde, de acordo com o regime jurídico aplicável e as orientações estratégicas definidas.
4 – Compete ao Ministro da Saúde verificar o cumprimento, pelos hospitais das orientações relativas à execução da política nacional de saúde, podendo, para o efeito, determinar especiais deveres de informação.
CAPÍTULO IV
Estabelecimentos privados
Artigo 20.º
Regime
1 – Os hospitais previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º regem-se:
a) No caso de revestirem a natureza de entidades privadas com fins lucrativos, pelos respectivos estatutos e pelas disposições do Código das Sociedades Comerciais;
b) No caso de revestirem a natureza de entidades privadas sem fins lucrativos, pelo disposto nos respectivos diplomas orgânicos e, subsidiariamente, pela lei geral aplicável.
2 – O disposto no número anterior não prejudica o cumprimento das disposições gerais constantes do capítulo I.
CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias
Artigo 21.º
Disposição final
Os mandatos dos titulares dos actuais conselhos de administração dos hospitais referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º mantêm-se até ao final do respectivo prazo, desde que não ultrapassem 30 de Junho de 2003.