Decreto-Lei n.º 40 651

Estatuto da Ordem dos Médicos
Decreto-Lei n.º 40 651, de 21 de Junho de 1956

1. A Ordem dos Médicos foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 29 171, de 24 de Novembro de 1938, que também aprovou os estatutos do novo organismo corporativo.
Passados quase dezoito anos sobre a promulgação daquele diploma, compreende-se que os estatutos não dêem já inteira satisfação às necessidades da Ordem nem se adaptem às novas formas do exercício da profissão médica. Efectivamente, não só alguns dos seus preceitos se mostravam ultrapassados, como se impunha, por outro lado, incluir nele várias normas de legislação dispersa e principalmente dar a um conjunto de importantes princípios de carácter deontológico adequada expressão jurídica.
Estas razões, também várias vezes expostas pela Ordem, levam o Governo, através do presente diploma. a estabelecer novas normas estatutárias para aquele organismo.
2. A Ordem dos Médicos continua a abranger o território do continente e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, tendo-se julgado aconselhável não alterar o âmbito territorial das secções regionais de Lisboa, Coimbra e Porto, em que o organismo, desde a sua criação, se subdivide.
Apesar de se terem feito esforços no sentido de alargar a jurisdição da Ordem às províncias do ultramar, acabou por se impor a solução de se manter para já o âmbito igual do organismo. E isto por se ter reconhecido que em várias daquelas províncias ultramarinas o exercício da profissão médica se reveste de características muito especiais, consagradas pelos costumes ou decorrentes do próprio condicionalismo local.
Idênticas dificuldades se apresentaram já em França, onde também, e por idênticos motivos, não foi possível ampliar a acção da Ordem dos Médicos à generalidade dos seus territórios ultramarinos.
Mas porque é da maior vantagem que a organização corporativa se vá estendendo gradualmente ao ultramar, não se abandona a ideia de alargar o âmbito da Ordem o todo o território português, e por isso se prevê neste decreto-lei que isso se faça oportunamente através de diploma especial.
3. A importante matéria relativa à concessão do título de especialista, que havia sido regulada pelo Decreto n.º 38 213, de 26 de Março de 1951, é agora incluída no estatuto da Ordem.
Aproveita-se, porém, o ensejo para alargar o quadro das especialidades e para dar maior amplitude de inscrição como especialistas aos professores das Faculdades de Medicina.
4. Entre as diversas disposições modificadas figuram as respeitantes aos órgãos directivos da Ordem. A amplitude e a qualidade das alterações introduzidas, após cuidadoso estudo da experiência, devem garantir ao organismo melhor funcionamento e mais eficiente defesa dos interesses profissionais e gerais que lhe incumbe assegurar.
O simples confronto dos novos e dos antigos estatutos mostra com suficiente clareza o progresso alcançado, para que se torne necessária referência expressa às diversas alterações e inovações agora feitas. Apenas se aludirá à constituição do conselho, ao qual pertencia o director-geral de Saúde.
Embora se considere que são, na realidade, estreitas as relações da Ordem dos Médicos com os serviços oficiais da saúde pública, entendeu-se que o assento no conselho geral de um funcionário do Estado, com voto deliberativo, não era consentâneo nem com a autonomia da Ordem, nem com o carácter associativo da nossa organização corporativa.
Reconhece-se a necessidade de manter e desenvolver as relações entre a Ordem e os órgãos da saúde pública, as Faculdades de Medicina, e assistência e a previdência social. Mas este objectivo não tem necessariamente de ser assegurado — e pode até ser comprometido —pela inclusão no conselho geral, com poderes de decisão, de representantes dos Ministérios que superintendem no ensino da medicina, na saúde pública, na previdência ou na assistência social.
Com a preocupação de não afectar de qualquer forma a autonomia do organismo, pôs-se mesmo de parte a solução adoptada noutros países, como na França, onde no Conselho Nacional da Ordem dos Médicos — para além dos membros eleitos pelos conselhos departamentais — têm assento, como adjuntos e com funções consultivas. médicos representantes dos Ministérios do Trabalho e Segurança Social, da Educação Nacional e da Saúde Pública.
5. De acordo com os interesses gerais e por solicitação da Ordem, passam para o domínio da lei os preceitos da deontologia médica. Embora alguns se encontrassem incluídos no estatuto. eram as normas do compromisso deontológico sem adequada força legal que fundamentalmente regulavam a matéria.
Reconheceu-se a vantagem de dar mais forte consistência jurídica à deontologia profissional, criando, à semelhança do que se fez noutros países. uma segura base legal para a ética do exercício da medicina.
Muito do que estava estabelecido se consignou no presente diploma. Nem mesmo pode dizer-se que se tenha inovado em matéria tão delicada. Acolheram-se. afinal, princípios tão antigos como a própria arte de curar, que os médicos, pelos tempos fora, têm vindo a repetir no seu juramento. Mas não podia deixar de considerar-se a feição social cada vez mais marcada da medicina e a posição a assumir perante certos problemas novos ou com a aparência de novidade, como a eutanásia, a esterilização profiláctica, a narcoanálise, a psicocirurgia e a experimentação no ser humano.
Assegura-se com firmeza o respeito pelo doente, pela vida do homem e pela sua personalidade: só para a defesa destes altos valores humanos e morais valeria a pena ter intervindo. A deontologia do presente estatuto entronca, como em tantos outros países, nos mais elevados princípios da civilização cristã e também nas normas basilares do código deontológico que a Associação Médica Mundial recomendou para a aceitação geral dos seus setecentos mil filiados.
6. Na acção cultural da Ordem têm tido relevância, desde há oito anos, os cursos de aperfeiçoamento dos médicos rurais. Sobe já a muitas centenas o número de médicos que, exercendo a profissão afastados dos centros hospitalares e universitários, têm aproveitado os referidos cursos para se actualizarem relativamente às novas conquistas das ciências médicas e aos novos métodos de diagnóstico e de tratamento.
Estabelece-se agora, nos presentes estatutos, a realização periódica desses cursos, aos quais se pretende seja dada ainda maior eficiência e extensão, em estreita cooperação com os serviços oficiais da saúde pública, da assistência social, do ensino universitário da medicina, bem como com a organização corporativa e a previdência social.
Por outro lado, e porque se procura, para além dos cursos de aperfeiçoamento, criar as melhores condições para uma cada vez mais vasta e continuada acção de cultura, dá-se expressão legal ao serviço de divulgação bibliográfica, já instituído pela Ordem, e abrem-se a esta mais rasgadas perspectivas para a actualização e divulgação dos conhecimentos indispensáveis ao exercício da profissão médica e da missão social que aos médicos incumbe realizar.
7. Como foi dito algures, o reconhecimento de que a profissão médica comporta uma deontologia inconfundível implica a necessidade de uma estrutura disciplinar adequada. À luz da experiência colhida, introduziram-se nesta matéria profundas alterações, que se espera virão a traduzir-se em acréscimo de prestígio para a classe.
Atendeu-se, em primeiro lugar, a uma antiga aspiração do organismo, separando-se a acção disciplinar da acção directiva ou administrativa e dotando aquela de órgãos próprios.
O conselho geral e os conselhos regionais deixam, desta forma, de intervir na acção disciplinar, que passa a ser confiada a conselhos disciplinares regionais e a um conselho superior disciplinar, dotados de autonomia em relação aos órgãos directivos da Ordem.
Por outro lado, sem pôr de parte o princípio de que o julgamento das faltas disciplinares deve competir aos membros da própria Ordem, atribui-se a presidência do conselho superior disciplinar a um magistrado judicial, o qual, pela sua formação específica e por ser alheio às paixões de classe, oferece a garantia de uma melhor justiça. Este sistema é consagrado em países como a Bélgica e a França, onde os conselhos disciplinares da Ordem dos Médicos têm por presidente um magistrado.
Amplia-se ainda o âmbito do recurso, admitindo a possibilidade de se recorrer para o conselho superior disciplinar de todas as decisões dos conselhos disciplinares regionais. E, atenta a gravidade das penas de expulsão e de suspensão temporária superior a dois anos, estabelece-se também a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões do conselho superior disciplinar.
Desta maneira se procura criar as necessárias garantias para os que são julgados e também para os que julgam.
8. O presente estatuto define, com clareza, e alarga a competência da Ordem dos Médicos, melhora a constituição e o funcionamento dos seus órgãos, consagra legalmente e valoriza a deontologia profissional, garante, em moldes amplos e práticos, a defesa dos direitos dos médicos, dá eficiência e dignidade à acção disciplinar e possibilita um maior desenvolvimento tias actividades culturais e sociais do organismo.
Por tudo isto, se confia em que a Ordem dos Médicos, através da sua nova lei orgânica — verdadeira carta dos deveres e dos direitos dos médicos portugueses —, possa, de futuro, desempenhar mais facilmente a importante missão que lhe cabe, como elemento valioso da organização corporativa.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2 do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo 1.º:
A Ordem dos Médicos, instituída pelo Decreto-Lei n.º 29 171, de 24 de Novembro de 1938, passa a regular-se pelo estatuto anexo ao presente diploma.

Art. 2.º:
Fica revogado o Decreto n.º 38 213, de 26 de Março de 1951, e o Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29 171, de 24 de Novembro de 1938.

Publique-se e cumpra-se como nele se contém.

Paços do Governo da República, 21 de Junho de 1956. — FRANCISCO HIGINO CRAVEIRO L0PEs — António de Oliveira Salazar — Marcello Caetano — Fernando dos Santos Costa — Joaquim Trigo de Negreiros — João de Matos Antunes Varela — António Manuel Pinto Barbosa — Américo Deus Rodrigues Thomaz —Paulo Arsénio Viríssimo Cunha — Eduardo de Arantes e Oliveira — Raul Jorge Rodrigues Ventura — Francisco de Paula Leite Pinto — Ulisses Cruz de Aguiar Cortês —Manuel Gomes de Araújo — Henrique Veiga de Macedo.
Para ser presente à Assembleia Nacional.

CAPITULO I
Da constituição e fins da Ordem
Artigo 1.º

Denomina-se Ordem dos Médicos e tem a sua sede em Lisboa o organismo corporativo representativo dos diplomados em Medicina que, de conformidade com os preceitos deste estatuto e mais disposições legais aplicáveis, exercerem funções ou praticarem quaisquer actos próprios da profissão médica, no território do continente e no dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

§ único. A extensão da Ordem dos Médicos às províncias ultramarinas será oportunamente determinada por diploma especial.

Art. 2.º

A Ordem dos Médicos exerce a sua actividade na plano nacional em colaboração com o Estado e demais organismos corporativos e com respeito absoluto pelos superiores interesses da Nação, constituindo elemento de cooperação activa com os diversos factores da actividade nacional e repudiando a luta de classes e o predomínio das plutocracias.

Art. 3.º

A Ordem dos Médicos tem por finalidade essencial o estudo e defesa dos interesses dos seus membros no livre exercício da medicina, sob os aspectos moral, económico e social, constituindo suas atribuições principais:

a) Exercer as funções políticas conferidas pela lei;

b) Manter os princípios de moralidade, probidade e dedicação indispensáveis ao exercício da medicina;

c) Promover o desenvolvimento da cultura médica e, sempre que solicitada, concorrer para o aperfeiçoamento das instituições de assistência médica, sanitária e social;

d) Dar parecer sobre os assuntos da sua especialidade acerca dos quais for consultada pelos outros organismos corporativos ou pelo Estado;

e) Velar pelo exacto cumprimento da lei, dos presentes estatutos e respectivos regulamentos, nomeadamente no que se refere ao título e à profissão de médico, promovendo procedimento judicial contra quem o use ou a exerça ilegalmente;

f) Exercer jurisdição disciplinar sobre os seus membros com o fim de assegurar a autoridade da Ordem e a observância das boas normas de proceder profissional.

Art. 4.º

A Ordem dos Médicos goza de personalidade jurídica e pode exercer todos os direitos respeitantes aos interesses legítimos do seu instituto.

§ 1.º Para defesa dos seus membros em todos os assuntos relativos ao desempenho das respectivas funções, quer se trate de responsabilidades que lhes sejam exigidas, quer de ofensas contra eles praticadas, pode a Ordem exercer os direitos de assistente em processos civis ou conceder patrocínio aos médicos em processos penais.

§ 2.º A Ordem dos Médicos é representada em juízo de acordo com a competência conferida por estes estatutos aos seus órgãos.

Art. 5.º

A Ordem dos Médicos subdivide-se, territorialmente, nas três secções regionais seguintes:

a) Lisboa, compreendendo as províncias do Ribatejo, Estremadura Alto e Baixo Alentejo e Algarve e as ilhas adjacentes;

b) Coimbra, compreendendo as províncias da Beira Alta, Beira Baixa e Beira Litoral;

c) Porto, compreendendo as províncias do Minho. Trás-os-Montes e Alto Douro e Douro Litoral.

CAPITULO II
Das instituições na Ordem
Secção I
Disposições gerais
Art. 6.º

A ninguém é permitido exercer medicina sem estar inscrito na Ordem.

Art. 7.º

Só podem inscrever-se na Ordem:

1.º Os portugueses de origem e os naturalizados aos quais a lei permita o exercício da profissão de médico, no pleno gozo dos direitos civis e políticos que lhes forem conferidos por lei, licenciados em Medicina por escola superior portuguesa ou por escola superior estrangeira, desde que, neste último caso, tenham obtido equivalência de curso:

2.º Os estrangeiros e os naturalizados portugueses não abrangidos no n.º 1.º, no pleno gozo dos direitos civis e políticos que lhes forem conferidos por lei, quando satisfaçam as demais condições estabelecidas também por lei para poderem exercer a medicina em Portugal.

§ único. A inscrição é permitida aos médios formados pela Escola Médico-Cirúrgica de Goa e pela antiga Escola Médica do Funchal, com as restrições de exercício profissional previstas nas leis vigentes.

Art. 8.º

Não podem ser inscritos:

1.º Os que tenham sido condenados em pena maior;
2.º Os deliquentes de difícil correcção;
3.º Os interditos do exercício da profissão de médico;
4.º Os incapazes de administrar sua pessoa e bens.

§ 1.º Os condenados pelos crimes referidos no n.º 1.º do corpo deste artigo, reabilitados judicialmente e passados dez anos sobre a condenação, poderão formular pedido de inscrição, sobre o qual decidirá o conselho geral pela forma prescrita no artigo ….

§ 2.º Serão canceladas as inscrições dos médicos em relação aos quais se verifique algum dos factos referidos no corpo deste artigo.

§ 3.º Para os fins do disposto no parágrafo anterior, os tribunais enviarão oficiosamente ao presidente da Ordem cópia das decisões judiciais transitadas em julgado que interessem para o efeito.

§4.º Ao ………………………………. aplica-se o disposto…

Art. 9.º

Os médicos providos em funções públicas legalmente incompatíveis com o livre exercício da medicina não podem ser inscritos na Ordem, e se dela fizerem parte a inscrição suspender-se-á enquanto desempenharem aquelas funções.

Art. 10.º
A inscrição será pedida em requerimento assinado pelo interessado e dirigido ao presidente do conselho regional da secção em cuja área o requerente tiver o seu domicilio.

(…)

CAPITULO IV
Dos deveres e direitos dos médicos
Secção I
Dos Deveres Gerais dos Médicos
Art. 65.º

O médico é obrigado a cumprir, exacta e escrupulosamente, as disposições do presente estatuto e a respeitar os usos, costumes e tradições locais por forma a não desconsiderar o bom nome e a dignidade da sua profissão.

Art. 66.º

Seja qual for a sua função ou a sua especialidade. todo o médico deve. salvo caso de força maior prestar socorros de extrema urgência a um doente ou sinistrado em perigo imediato, se outros cuidados médicos lhe não puderem ser facilmente assegurados.

Art. 67.º

É dever do médico tratar com a mesma ciência e consciência todos os seus doentes, seja qual for a religião, nacionalidade, raça, credo político, classe social e moralidade destes e os sentimentos que eles lhe inspirem.

Art. 68.º

O médico deve abster-se de exercer a sua profissão como um comércio, sendo-Ihe vedado. designadamente:
1.º Dar a um colega ou dele receber clandestinamente dinheiro;
2.º Aceitar de terceiros qualquer comissão ou gratificação em troca do que receita ou recomenda aos doentes;
3.º Prestar-se a qualquer conluio com farmacêuticos, auxiliares de medicina ou outras pessoas estranhas à profissão médica;
4.º Praticar qualquer acto que traga benefício ou prejuízo ilícito ao doente ou entidade a quem preste serviço;
5.º Realizar consultas em locais onde se vendem medicamentos ou apetrechos para uso médico;
6.º Vender medicamentos e vender ou alugar aparelhos para uso médico;
7.º Colaborar com qualquer empresa comercial de prestação de serviços médicos na qual não tenha a sua completa independência profissional;
8.º Fazer reclamo ao seu nome por meio de circulares, anúncios e entrevistas através da imprensa ou outros meios de publicidade;
9.º Mencionar nas folhas de receituário outra indicação além do nome, títulos e funções oficiais de natureza profissional, ou títulos académicos especialidade reconhecida pela Ordem, consultório, residência, número do telefone e dias de consulta;
10.º Divulgar um processo novo de tratamento cujo valor ou inocuidade não estejam bem demonstrados, ou recomendá-lo aos seus clientes como eficaz e sem perigo;
11.º Aconselhar ou aplicar medicamentos de fórmula secreta;
12.º Atribuir-se abusivamente o mérito de uma descoberta científica
13.º EncobrIr, mesmo indirectamente, qualquer forma de exercício ilegal da medicina;
14.0 Usar de embustes, especialmente de todas as praticas de charlatanismo, susceptíveis de afectar o prestígio da profissão.
§ único. Não se considera publicidade proibida a afixação de tabuleta com dimensões e aspecto discretos, contendo a indicação do nome, títulos oficiais e especialização reconhecida, dias e horas de consulta, bem como anúncios nos jornais com estas mesmas indicações.

Art. 69.º

É interdito a qualquer médico que desempenhe um mandato político ou uma função administrativa, aproveitar-se dessa situação para angariar clientela.

SECÇÃO II
Dos deveres dos médicos para com os doentes
Art. 70.º

Todo o médico que aceite o encargo de tratar um doente obriga-se implicitamente a prestar-lhe os melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correcção e delicadeza no exclusivo intuito de lhe restituir a saúde, suavizar os sofrimentos e salvar ou prolongar a vida.

Art. 71.º

O médico pode recusar os seus cuidados a um doente, excepto nos casos urgentes ou não havendo outro médico a quem o doente possa facilmente recorrer.

Art. 72.º

O médico pode dispensar-se de continuar a qualquer prestar assistência a um doente desde que:
1.º Não prejudique o doente com essa resolução;
2.º Tenha advertido o doente ou a família com a devida antecedência;
3.º Forneça os esclarecimentos necessários para a regular continuidade do tratamento.
§ único. A incurabilidade da doença não justifica, de forma alguma, o abandono do doente.

Art. 73.º

O doente tem o direito de mudar de médico assistente e este o dever de se inclinar perante tal vontade, quando lhe seja expressa e mesmo antecipar-se, por dignidade profissional, à menor suspeita de que ela existe.

Art. 74.º

O médico deve sempre elaborar o seu diagnóstico com a maior atenção, recorrendo, se for necessário, ao conselho de outro médico, afim de conseguir chegar a conclusões tanto quanto possível exactas.

Art. 75.º

Um prognóstico grave pode ser legitimamente ocultado pelo médico ao doente; um prognóstico fatal só lhe pode ser revelado pelo médico com as precauções aconselhadas pelo exacto conhecimento do seu temperamento e da sua índole moral; mas, em regra, devem um e outro ser revelados à família.

Art. 76.º

A idade, o sexo, a condição social e a natureza da doença são elementos que devem ter-se sempre em conta, quer na maneira de conduzir o exame, quer nas prescrições a fazer .

Art. 77.º

Antes de operar um doente, o, médico deve obter o seu consentimento ou o dos seus pais ou tutores se o doente for menor, salvo nos casos de extrema urgência

Art. 78.º

Um médico deve respeitar escrupulosamente as convicções políticas e as crenças religiosas dos seus doentes.
§ 1.º Se um doente ou seus familiares quiserem chamar um ministro do culto ou o notário, o médico tem ‘o dever de o indicar a tempo o momento oportuno.
§ 2. O mesmo deve observar, se houver razões, para o doente receber visitas de parentes e amigos.

Art. 79.º

O médico deve guardar respeito absoluto pela vida humana desde a concepção.
§ único: É expressamente proibida:
1.º A prática do aborto
2.º A prática da eutanásia.

Art. 80.º

O médico deve abster-se de qualquer trata mento não fundamentado ou experimentação temerária, sendo-Ihe ainda proibido usar de processos analíticos ou terapêuticos que possam produzir alteração da consciência com diminuição da livre determinação e da responsabilidade, ou provocar estados mórbidos, salvo havendo o consentimento formal do doente devidamente avisado dos riscos a que se expõe.

Art. 81.º

É vedada a prática de processos que conduzam à esterilização, excepto quando a conservação da vida do doente os imponha.

Secção III
Dos Deveres dos médicos em relação às organizações onde prestam serviço
Art. 82.º

Os médicos devem dar o seu apoio aos serviços de medicina social e colaborar na obra do Estado para o protecção da saúde pública.

Art. 83.º

O exercício da medicina em empresa, colectividade ou instituição de direito privado, qualquer que seja o aspecto que esse exercício revista, deve ser objecto de contrato escrito.
§ 1.º Os projectos ou renovações de contratos devem ser comunicados ao conselho regional respectivo, que verificará a sua conformidade com os preceitos do presente estatuto, bem como se existirem, com os dos contratos tipos estabelecidos, quer por acordo ente o conselho geral e as colectividades ou instituições interessadas, quer por normas legislativas ou regulamentares.
§ 2.º Das decisões dos conselhos regionais haverá recurso para uma comissão arbitral a nomear pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
§ 3.º A doutrina fixada no corpo do artigo não é aplicável aos médicos colocados sob o regime de um estatuto aprovado por autoridade pública.

Art. 84.º

Os médicos são obrigados a enviar ao conselho geral da Ordem, por intermédio do conselho regional respectivo, cópias autênticas dos contratos escritos, sempre que os haja, celebrados entre eles e um serviço público ou uma instituição corporativa ou de previdência.
§ único. As observações que o conselho tiver de formular serão dirigidas por ele às entidades competente de que dependa o serviço interessado.

Art. 85.º

Nenhum médico incumbido de serviços de medicina preventiva ou de medicina social tem o direito de usar essas funções em beneficio da sua clinica particular.

Art. 86.º

Em princípio, as funções de médico assistente e as de médico verificador da doença não são compatíveis, devendo evitar-se que sejam exercidas pela mesma pessoa, desde que não existam disposições legais expressas que permitam o seu exercício simultâneo.

Art. 87.º

O médico encarregado oficialmente da verificação de uma doença não deve intrometer-se no tratamento, sem prejuízo do que está legalmente determinado em matéria de saúde pública.
§ único. Todavia. se, no decurso de um exame, estiver em desacordo com o seu colega sobre o diagnóstico e lhe parecer que um sintoma importante e útil à condução do tratamento pode não ter sido tomado em consideração, deve comunicá-lo pessoalmente ao mesmo colega.

Art. 88.º

Os médicos com funções de peritos ou de verificadores de doença devem ser independentes em face das pessoas que tiverem de examinar. recusando-se, sempre que a lei expressamente não determine o contrário, a examinar quaisquer pessoas com quem tenham relações susceptíveis de influir na liberdade dos seus juízos.

Secção IV
Do segredo profissional e dos atestados médicos
Art. 89.º

O segredo profissional impõe-se a todos os médicos e constitui matéria de interesse moral e social.

Art. 90.º

O segredo profissional abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico em razão e no exercício do seu mister e compreende especialmente:
1.º Os factos revelados directamente pelo doente, por sua ordem ou comissão, pelos parentes ou tutores ou mesmo por qualquer outra pessoa;
2.º Os factos sabidos pelo médico provenientes ou não da observação clínica, quer sejam do conhecimento do cliente, quer de outras pessoas;
3.º Os factos comunicados por qualquer colega obrigado quanto aos mesmos a segredo profissional.
§ 1.º A obrigação de segredo existe quer o serviço solicitado tenha ou não sido prestado, quer seja ou não remunerado;
§ 2.º O segredo é extensivo a todas as categorias de doentes.

Art. 91.º

São causas escusatórias do segredo profissional:
1.º As determinações da lei em contrário.
2.º O consentimento do doente ou seu representante, quando não prejudique terceiras pessoas interesse e parte no segredo;
3.º O que for absolutamente necessário à defesa da dignidade, direito e interesses morais do médico e do doente, não podendo em qualquer destes casos o médico revelar o que seja objecto do segredo profissional sem prévia consulta ao presidente da Ordem.

Art. 92.º

Nas notas ou documentos fornecidos pelos médicos a um tribunal para justificação de reclamação de honorários não é permitida a violação do segredo profissional, embora com sacrifício de legítimos interesses.
§ único. Nos registos de contas e na redacção de observações clínicas também não devem figurar elementos que conduzam ao mesmo resultado.

Art. 93.º

A obrigação do segredo não impede que os tomem as precauções necessárias ou participem nas medidas de defesa sanitária indispensáveis à salvaguarda da vida e saúde dos membros da família e demais pessoas que residam ou se encontrem no local onde estiver o doente.

Art. 94.º

O clínico de menor ou de alienado deverá intervir junto dos pais, tutores ou pessoas que legitimamente os representem por forma a assegurar o conveniente tratamento e assistência do doente.

Art. 95.º

O médico devidamente intimado como testemunha em processo que envolva um seu cliente deverá comparecer no tribunal. mas não poderá prestar declarações sobre matéria de segredo profissional.
§ único. O médico não pode recusar-se a prestar declarações sobre factos relativos ao seu cliente desde que não constituam matéria de segredo profissional

Art. 96.º

Os atestados ou certificados médicos não devem especificar o mal de que se sofre, limitando-se a afirmar a existência de doença, os impedimentos que ela determina e a sua duração excepto quando o doente, conhecedor do seu estado de mórbido, expressamente solicite que o médico faça tal indicação.
§ único: Neste último caso o médico deverá declarar no atestado essa circunstância.

Art. 97.º

É considerada falta grave o facto de um médico fornecer aos seus clientes atestados de complacência ou relatórios tendenciosos sobre o seu estado de saúde.

Secção V
Dos deveres de confraternidade médica
Art. 98.º

Nas suas relações mútuas deverão os médicos proceder sempre com a máxima correcção e lealdade, abstendo-se de qualquer ataque ou alusão deprimente.

Art. 99.º

Quando o médico for chamado junto de qualquer doente que esteja a ser tratado por outro médico deverá observar as seguintes normas:
1.ª Se o doente renunciou aos cuidados do primeiro médico, o novo médico deve assegurar-se de que aquele foi prevenido e fará tudo o que de si depender para que ele seja reembolsado. dos honorários que lhe forem devidos;
2.ªSe O doente não renunciou aos cuidados do primeiro médico e, ignorando os preceitos de deontológicos entre colegas, desejou apenas munir-se de um simples conselho, o novo médico deve propor uma conferência, escusando-se a prestar ao doente outros cuidados ou conselhos que não sejam de absoluta urgência, não modificando o tratamento em curso e retirando-se em seguida;
3.ª Se, por uma razão aceitável, a conferência for considerada impossível nesse momento, o novo médico poderá examinar o doente, comunicando o facto ao médico assistente, com a sua opinião expressa sobre o diagnóstico;
4.ª Se o doente chamar o novo médico na ausência do seu médico assistente, o novo médico poderá prestar os cuidados que achar necessários, devendo, porém, cessá-Ios logo que o assistente regresse e informá-lo da evolução da doença durante a sua ausência.

Art. 100.º

Nenhum médico conferente deverá voltar a examinar o doente no seu domicílio durante a mesma doença, sem o assentimento do médico assistente.

Art. 101.º

Quando uma conferência médica for pedida pelo doente ou pessoa de família ou sugerida pelo médico assistente pode este indicar o conferente ou conferentes que entender, deixando todavia ao doente ou à família a liberdade de indicarem outro ou outros.
§ único. Se no decurso da conferência se verificarem divergências importantes e irredutíveis, o médico assistente poderá desligar-se dos seus serviços desde que prevaleça a opinião do conferente.

Art. 102.º

O médico tem a faculdade de atender no seu consultório qualquer doente, mesmo que este possua médico assistente.

Art. 103.º

A concorrência a qualquer cargo não deverá fazer-se através de proposta de redução de honorários ou de que resulte qualquer violação de legítimos interesses adquiridos.
§ único. Nenhum médico deve concorrer ou aceitar qualquer cargo para cuja nomeação ou escolha seja condição de preferência a redução de honorários.

Art. 104.º

Os médicos de qualquer instituição cujos serviços estejam organizados hierarquicamente devem, nas suas mútuas relações de superiores e subordinados observar os princípios de confraternidade profissional sem prejuízo da disciplina inerente às respectiva funções

SECÇÃO VI
Dos deveres dos médicos para com os auxiliares da profissão e para com os membros das profissões paramédicas
Art. 105.º

O médico deve, nas relações com os seus auxiliares e com os membros das profissões paramédicas, respeitar a dignidade de cada um, abstendo-se de lhes fazer referências desagradáveis.

Art. 106.º

O médico não deve incumbir um enfermeiro ou qualquer membro das profissões paramédicas de serviços que excedam os limites da sua competência.

SECÇÃO VII
Dos deveres dos médicos em matéria de honorários
Art. 107.º

Na fixação de honorários deverá o médico proceder com moderação, atendendo à importância do serviço prestado, à gravidade da doença, ao tempo despendido, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e aos usos e costumes da terra.

Art. 108.º

O médico deverá tratar gratuitamente os membros da Ordem e as pessoas de família que vivam a seu cargo
§ único. Esta obrigação abrange as viúvas e filhos órfãos de menor idade.

Art. 109.º

Pelas conferências feitas a pedido do doente ou da família, o médico assistente tem direito a receber honorários de conferente.

Art. 110.º

O ajuste prévio de honorários é admissível.

Art. 111.º

O cirurgião tem direito a escolher os ajudantes e o anestesista que quiser, podendo os respectivos honorários ser reclamados por eles ou compreendidos numa nota colectiva que o cirurgião apresente.
§ único. A presença do médico assistente a uma operação cirúrgica, quando solicitada, dá direito a honorários próprios, quer apresentados numa nota colectiva e discriminada do cirurgião, quer, de preferência, numa nota pessoal.

Art. 112.º

A dicotomia ou o recebimento de quaisquer comissões ou gratificações em serviços prestados outros, tais como análises, radiografias, fisioterapia, consultas ou operações, bem como pelo envio de um doente para uma casa de saúde ou estação de cura, constitui grave atentado contra a moral profissional.

Secção VIII
Dos direitos gerais dos médicos
Art. 113.º

Na qualidade de membro da Ordem, qualquer médico tem direito a:
1.º Exercer a profissão médica na área territorial da Ordem;
2.º Eleger e ser eleito ou escolhido para cargos dos corpos gerentes da Ordem ou como delegado às assembleias gerais, sem prejuízo, em todos os casos, das restrições previstas neste Estatuto ;
3.º Assistir às reuniões das respectivas assembleias regionais, discutindo e votando todos os assuntos tratados;
4.º Examinar os livros e mais documentos da Ordem na época que para tal fim for designada.

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