Decreto-Lei n.º 13/93

Decreto-Lei n.º 13/93 de 15 de Janeiro

A crescente atenção que o Governo tem dispensado ao sector da saúde, aliada às legítimas exigências quantitativas e qualificativas da população portuguesa, justifica a necessidade de apoiar o desenvolvimento do sector privado de prestação de cuidados de saúde em relação de complementaridade e até de concorrência com o sector público. 
Contudo, torna-se necessário garantir que a prestação desses cuidados de saúde pelo sector privado se realize com respeito pelos parâmetros mínimos de qualidade, quer no plano das instalações, quer no que diz respeito aos recursos técnicos e humanos utilizados. 
Daí que a sujeição das unidades privadas de saúde e com fins lucrativos a licenciamento, regulamentação e vigilância de qualidade por parte do Estado tenha sido já fixada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto
E as próprias instituições particulares de solidariedade social estão, compreensivelmente, sujeitas ao poder orientador e de inspecção dos serviços competentes do Ministério da Saúde de forma a salvaguardar a qualidade dos serviços prestados, ainda que o sejam em regime de voluntariado ou de altruísmo. 
Torna-se, pois, necessário regulamentar essas realidades de forma a conseguir-se uma clarificação do regime jurídico das unidades privadas de saúde que incentive a sua criação e funcionamento no respeito por aceitáveis padrões de qualidade.
Foi ouvida a Ordem dos Médicos.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º 
Objecto

 1 – O presente diploma regula o licenciamento e a fiscalização do exercício da actividade das unidades privadas de saúde, independentemente da designação e da forma jurídica adoptada, com respeito pelo livre exercício da actividade médica como profissão liberal.
2 – Entende-se por unidades privadas de saúde os estabelecimentos não integrados no Serviço Nacional de Saúde que tenham por objecto a prestação de quaisquer serviços médicos ou de enfermagem, com internamento ou sala de recobro.
3 – Os estabelecimentos que prestem cuidados na área da saúde mas não preencham os requisitos a que se refere o número anterior são objecto de regulamento próprio, a aprovar por decreto regulamentar.

Artigo 2.º
Liberdade de escolha

As unidades de saúde a que se refere o presente diploma devem respeitar o princípio da liberdade de escolha por parte dos utilizadores, abstendo-se de praticar quaisquer actos que o ponham em causa.

Artigo 3.º
Dever de cooperação e articulação com o Serviço Nacional de Saúde

 1 – As unidades privadas de saúde devem colaborar com as autoridades sanitárias nas campanhas e programas de saúde pública, nos termos que vierem a ser definidos por portaria do Ministro da Saúde.
2 – A colaboração e integração das unidades privadas de saúde no sistema de saúde, designadamente através do regime de medicina convencionada, será definida por decreto-lei.

Artigo 4.º
Licenciamento

1 – O funcionamento de qualquer unidade privada de saúde depende da obtenção de uma licença a conceder por despacho do Ministro da Saúde.
2 – A licença fixará o tipo de serviços médicos que o seu titular fica autorizado a prestar, com indicação das especialidades e lotação da unidade.

Artigo 5.º 
Pedido de licenciamento

1 – Os pedidos de licenciamento devem ser efectuados mediante a apresentação de um requerimento dirigido ao Ministro da Saúde, através da Direcção-Geral de Saúde.

2 – Do requerimento devem constar:

a) A denominação social ou nome e demais elementos identificativos do requerente;

b) A indicação da sede ou residência;

c) O número fiscal de contribuinte;

d) A localização da unidade e sua designação;

e) A identificação da direcção clínica;

f) O tipo de serviços que se propõe prestar.

3 – Os emolumentos a pagar pelo requerente são fixados por portaria do Ministro da Saúde.

Artigo 6.º
Instrução do pedido

1 – Os pedidos de licenciamento deve ser instruídos com os seguintes documentos:

a) Cópia autenticada do cartão de identificação de pessoa colectiva ou do bilhete de identidade do requerente e ainda do respectivo cartão de contribuinte;

b) Certidão actualizada do registo comercial;

c) Certificados do registo criminal dos requerentes ou dos administradores ou gerentes da entidade requerente;

d) Relação detalhada do pessoal e respectivo mapa, acompanhada de certificados de habilitações literárias e profissionais;

e) Programa funcional, memória descritiva e projecto das instalações em que a unidade deverá funcionar, assinado por técnico devidamente habilitado;

f) Licença de utilização emitida pela câmara municipal competente;

g) Certificados que atestem que a unidade cumpre as regras de segurança vigentes;

h) Certificado emitido pela autoridade de saúde competente que ateste as condições hígio-sanitárias da unidade;

i) Projecto de regulamento interno.

2 – A Direcção-Geral de Saúde pode solicitar aos requerentes todos os esclarecimentos adicionais que em cada caso considere necessários à informação do pedido.

Artigo 7.º
Condições de licenciamento

 1 – São condições de atribuição da licença de funcionamento:

 a) A idoneidade do requerente, a qual, no caso de se tratar de pessoa colectiva, deve ser preenchida pelos administradores, directores ou gerentes que detenham a direcção efectiva do estabelecimento; 
b) A idoneidade profissional dos elementos da direcção clínica e demais pessoal médico e de enfermagem; 
c) A qualidade técnica dos cuidados e tratamentos a prestar, bem como dos equipamentos de que ficarão dotados; 
d) A comprovada viabilidade técnica e económica da unidade privada de saúde.

2 – Os requisitos que as unidades privadas de saúde devem observar quanto a instalações, organização e funcionamento são fixados por decreto regulamentar.

Artigo 8.º

1 – Para efeitos do disposto no presente diploma, são consideradas idóneas as pessoas relativamente às quais se não verifique algum dos seguintes impedimentos:

a) Proibição legal do exercício do comércio; 
b) Condenação, com trânsito em julgado, qualquer que tenha sido a natureza do crime, nos casos em que tenha sido decretada a interdição do exercício de profissão relacionada com a actividade das unidades privadas de saúde.

2 – O disposto no número anterior deixa de produzir efeitos após reabilitação ou pelo decurso do prazo de interdição fixado pela decisão condenatória.

Artigo 9. º 
Vistoria

1 – A atribuição da licença de funcionamento é precedida de uma vistoria, a efectuar pelos serviços competentes da Direcção-Geral de Saúde.

2 – Efectuada a vistoria, deve o director-geral de Saúde submeter o pedido, devidamente instruído e informado, ao Ministro da Saúde.

Artigo 10.º 
Regulamento interno e tabela de preços

1 – Cada unidade privada de saúde deve obrigatoriamente dispor de um regulamento interno, o qual é homologado pelo despacho que atribuir a licença de funcionamento.

2 – O regulamento interno bem como a tabela de preços devem ser afixados em local bem visível e acessível aos utentes.

Artigo 11.º 
Livro de reclamações

1 – As unidades privadas de saúde devem ter, em cada serviço, um livro de reclamações dos utilizadores, com termo de abertura datado e assinado pelo director-geral de Saúde, insusceptível de ser desvirtuado.

2 – Mensalmente, devem tais unidades enviar cópia autenticada das reclamações efectuadas pelos seus utilizadores à Direcção-Geral de Saúde.

Artigo 12.º 
Alterações relevantes de funcionamento

1 – A transferência de titularidade ou a cessão de exploração, total ou parcial, da unidade de saúde, bem como as alterações à direcção clínica, aos corpos de pessoal médico e de enfermagem e de outros profissionais de saúde ou do pessoal dirigente que aí presta serviço, devem ser notificadas à Direcção-Geral de Saúde no prazo de 30 dias.

2 – Sem prejuízo das autorizações prévias legalmente exigíveis, o regime previsto no número anterior é, também, aplicável à alteração das estruturas físicas, designadamente a realização de obras de restauro, remodelação, transformação ou ampliação que contendam com o regular funcionamento da unidade ou de parte dela.

3 – A falta de notificação de transferência de titularidade ou cessão de exploração, bem como de alteração à direcção clínica, determina a suspensão da licença de funcionamento.

Artigo 13.º 
Fiscalização

1 – A fiscalização das unidades de saúde cabe à Direcção-Geral de Saúde, devendo esta avaliar e promover a qualidade técnica, assistencial e humana dos cuidados e tratamentos prestados.

2 – A fim de exercer as competências a que se refere o número anterior, devem os serviços competentes recorrer, sempre que necessário, à colaboração da Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde ou a peritos especialmente qualificados.

Artigo 14.º 
Revogação da licença

1 – Sempre que o funcionamento de uma unidade privada de saúde decorrer em condições de manifesta degradação qualitativa dos cuidados e tratamentos prestados deve a licença ser revogada, procedendo-se ao seu encerramento compulsivo.

2 – As condições a que se refere o número anterior devem ser comprovadas em processo instruído pelos serviços da Direcção-Geral de Saúde competentes para o efeito, que inclua parecer de comissão composta por dois representantes do Ministério da Saúde e um da Ordem dos Médicos, a nomear por despacho do Ministro da Saúde.

3 – A revogação da licença é feita por despacho do Ministro da Saúde, mediante proposta do director-geral de Saúde.

4 – Notificado o despacho de revogação, deve a entidade cessar a sua actividade no prazo fixado, sob pena de se solicitar às autoridades administrativas e policiais o encerramento compulsivo mediante comunicação do despacho correspondente.

Artigo 15.º 
Suspensão da licença

1 – Quando a unidade privada de saúde não disponha dos meios materiais e humanos exigíveis segundo as leges artis, mas seja possível supri-los, deve o director-geral de Saúde propor ao Ministro da Saúde a suspensão da licença, com inibição de funcionamento dos respectivos serviços, observando-se o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo anterior.

2 – O despacho que determinar a suspensão da licença fixará igualmente o prazo, não superior a 180 dias, dentro do qual a unidade licenciada deverá realizar as obras, adquirir os equipamentos ou contratar o pessoal necessário ao regular funcionamento dos serviços, sob pena de revogação da licença.

3 – A suspensão pode ser imediatamente imposta, sem dependência do parecer da comissão a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, quando o funcionamento da unidade de saúde constitua grave perigo para os doentes.

Artigo 16.º 
Providências relativas ao público e aos doentes

1 – Sempre que seja revogada ou suspensa a licença atribuída a qualquer unidade privada de saúde, o Ministério da Saúde providenciará sobre o destino dos internados que não possam ter alta para unidade credenciada, a expensas da unidade titular do estabelecimento.

2 – As medidas da suspensão ou revogação da licença serão divulgadas ao público, nomeadamente através da publicação do respectivo despacho de suspensão ou revogação num dos jornais mais lidos da localidade em que se situe a unidade privada de saúde.

Artigo 17.º 
Autorização de reabertura

1 – Logo que cessem as razões que motivaram a suspensão da licença, pode a entidade titular da unidade requerer ao Ministro da Saúde o termo da suspensão.

2 – Produzidas as provas que considere necessárias, pode o Ministro da Saúde, por despacho, determinar o termo da suspensão, após vistoria a realizar nos termos do artigo 9.º

Artigo 18.º 
Contra-ordenações

1 – A violação do disposto no artigo 4.º constitui contra-ordenação punível com coima de 500 000$ a 6 000 000$.

2 – A violação do disposto no artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 10.º e nos artigos 11.º e 12.º é punida com coima de 250 000$ a 3 000 000$.

3 – O funcionamento de uma unidade privada de saúde em condições de manifesta degradação qualitativa dos cuidados e tratamentos prestados é punido com coima de 500 000$ a 6 000 000$.

4 – A falta dos meios materiais e humanos exigíveis segundo as leges artis, que venha a ser suprida nos termos do n.º 2 do artigo 15.º, constitui contra–ordenação punível com coima de 250 000$ a 3 000 000$.

5 – Sendo o titular da unidade privada de saúde pessoa singular, os montantes máximos das coimas previstos nos números anteriores são reduzidos, respectivamente, a 500 000$ e 250 000$.

6 – A negligência é punível.

Artigo 19.º 
Aplicação e destino das coimas

1 – A aplicação das coimas previstas no artigo anterior compete ao director-geral de Saúde.

2 – O produto das coimas reverte em 60% para o Estado e em 40% para a Direcção-Geral de Saúde.

Artigo 20.º 
Disposição transitória

1 – As unidades privadas de saúde que se encontrem em funcionamento à data da entrada em vigor do presente diploma devem, no prazo de 90 dias a contar da data de entrada em vigor da regulamentação prevista no n.º 2 do artigo 7.º, requerer a validação da respectiva licença de funcionamento ou iniciar o processo conducente à sua obtenção.

2 – A inobservância do que se dispõe no número anterior em matéria de prazo, ou a não observância dos requisitos legalmente exigidos, certificada pela vistoria a que se refere o artigo 9.º, tem como consequência a revogação da licença e o consequente encerramento da respectiva unidade de saúde.

3 – Ocorrendo razões ponderosas de saúde pública, devidamente justificadas, pode o prazo previsto no n. º 1 ser prorrogado, por períodos sucessivos de 30 dias, até ao limite máximo de 180 dias.

4 – Compete ao director-geral de Saúde a verificação, por despacho, dos pressupostos previstos no número anterior.

Artigo 21.º 
Legislação revogada

Ficam revogados:

a) O Decreto-Lei n. º 47 663, de 29 de Abril de 1967; 
b) A alínea e) do n.º 1 do artigo 37.º e a alínea d) do n.º 1 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 413/71, de 27 de Setembro; 
c) O Decreto-Lei n.º 415/71, de 27 de Setembro; 
d) A alínea g) do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 351/72, de 8 de Setembro.  

Artigo 22.º

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 1 de Outubro de 1992. – Aníbal António Cavaco Silva – Arlindo Gomes de Carvalho
Promulgado em 22 de Dezembro de 1992. 
Publique-se. 
O Presidente da República, MÁRIO SOARES. 
Referendado em 28 de Dezembro de 1992. 
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.