Decreto-Lei n.º 319/86

Decreto-Lei n.º 319/86, de 25 de Setembro
Estabelece normas relativas à disciplina e actividade dos «bancos de esperma»

As novas técnicas de procriação artificial humana suscitam dificuldades de ordem ética e legal que vêm a ser apreciadas nos países mais desenvolvidos, em particular nos Estados membros do Conselho da Europa.
A natureza e a novidade das questões, como a diversidade cultural dos países, têm recomendado prudência e estudo antes de se imporem as directivas legais necessárias, e nesse sentido foi criada, no âmbito do Ministério da Justiça, a Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias, cujos trabalhos já se iniciaram.
Há, no entanto, certas orientações básicas geralmente aceites, cuja definição entre nós se torna desde já necessária.
Uma das técnicas mais utilizadas é a da inseminação artificial, quer a chamada inseminação artificial homóloga, quer a inseminação com esperma de um dador. Sabe-se, porém, que as duas modalidades de inseminação têm um relevo completamente distinto: enquanto a inseminação artificial homóloga não provoca significativas dificuldades, ao menos nos casos vulgares, a inseminação heteróloga levanta problemas técnicos e ético-jurídicos muito delicados. Uma das orientações firmes nesta matéria é a que proíbe a execução da fecundação artificial com sémen fresco de um dador. Esta prática era já condenada por várias razões sérias, como o risco para a saúde da mulher, o perigo de transmissão de doenças hereditárias e a total ausência de registo fidedigno das operações; hoje a condenação é ainda mais severa, porque se conhece o risco de transmissão da síndroma de imunodeficiência adquirida (SIDA).
A inseminação artificial heteróloga deve apenas poder ser realizada com sémen recolhido, analisado e conservado por instituições públicas ou privadas que dêem todas as garantias técnicas de evitar aqueles riscos e que tenham capacidade administrativa para satisfazer as exigências éticas e legais requeridas e ainda para tornar viável o controle da legalidade da intervenção.
Observações análogas podem fazer-se quanto à fertilização in vitro com gâmetas do dador.
Quaisquer que venham a ser a frequência e a natureza das técnicas de procriação artificial humana no nosso país, os médicos serão os primeiros juízes da licitude e da conveniência dos seus actos; mas razões de evidente interesse público justificam a intervenção de um organismo tutelar, nas condições que virão a ser definidas ulteriormente.
Às regras então estabelecidas se terão de adaptar os organismos que eventualmente já se dedicam às actividades em causa.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º – 1 – A recolha, a manipulação, a conservação de esperma e quaisquer outros actos exigidos pelas técnicas de procriação artificial humana só podem ser praticados sob a responsabilidade e a directa vigilância de um médico em organismos públicos ou privados que tenham sido expressamente autorizados para o efeito pelo Ministro da Saúde.
2 – Quando apenas se utilizem técnicas de procriação artificial homóloga com sémen fresco, é dispensada a autorização referida no número anterior.

Art. 2.º As condições de que depende a autorização exigida e as sanções contra a prática não autorizada das técnicas de procriação artificial mencionadas no n.º 1 do artigo anterior serão definidas em decreto regulamentar.

Art. 3.º – 1 – Este decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2 – Os organismos públicos ou privados que actualmente já se dediquem à prática dos actos referidos no artigo 1.º, excepto os referidos no respectivo n.º 2, ficarão submetidos às regras que forem estabelecidas nos termos do artigo 2.º, logo que elas entrem em vigor.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de Agosto de 1986. – Aníbal António Cavaco Silva – Mário Ferreira Bastos Raposo – Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Promulgado em 5 de Setembro de 1986.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 9 de Setembro de 1986.
Pelo Primeiro-Ministro, Eurico Silva Teixeira de Melo, Ministro de Estado.