Decreto-Lei n.º 218/99

Ministério da Saúde

Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho

A necessidade de estabelecer um regime processual específico para a cobrança dos créditos referentes aos cuidados de saúde tem sido reconhecida desde há muito.
Foi assim que o Decreto-Lei n.º 46301 estabeleceu uma tramitação específica de cobrança destes créditos, na tradição do qual foi publicado o Decreto-Lei n.º 147/83, de 17 de Abril.
As alterações que entretanto foram introduzidas no sistema de saúde, designadamente no Serviço Nacional de Saúde, atribuíram às receitas próprias dos serviços e estabelecimentos de saúde maior importância. De acordo com a base XXXIII da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podem cobrar receitas próprias, onde se incluem as referentes aos cuidados de saúde prestados e cujos encargos sejam suportados por outras entidades. Esta circunstância induziu a que se procurassem meios rápidos e eficazes de cobrar as dívidas hospitalares.
Neste enquadramento foi publicado o Decreto-Lei n.º 194/92, de 8 de Setembro, o qual veio atribuir a natureza de título executivo às certidões de dívidas emitidas pelos hospitais, na esteira do que já acontecia desde a Lei n.º 1981, de 3 de Abril de 1940, para os Hospitais Civis de Lisboa. No entanto, esta solução revelou-se inadequada aos objectivos enunciados. De facto, a existência de título executivo não veio conferir maior celeridade aos procedimentos judiciais de execução das dívidas hospitalares, porquanto, na generalidade dos casos, a existência do crédito reclamado judicialmente e a verdadeira identidade do devedor eram discutidas em sede de embargos à execução, ou seja, seguindo a tramitação de uma acção declarativa.
Por outro lado, a existência de uma acção executiva sem que existisse a necessária certeza quanto à identidade do devedor gerou a necessidade de estabelecer um conjunto de regras complexas para determinar a legitimidade passiva na referida acção executiva e que na prática judiciária se revelaram de difícil aplicação, com indesejáveis dúvidas na jurisprudência.
Acresce a tudo isto que foram suscitados problemas de constitucionalidade de algumas normas na interpretação que delas foi feita.
Neste contexto, o Governo, na perspectiva de simplificar os procedimentos, mas sem afastar os princípios gerais de direito relativamente ao reconhecimento e execução dos direitos, entendeu proceder à alteração das regras processuais do regime de cobrança das dívidas hospitalares.
Assim, neste diploma é, de novo, e como regra geral, consagrada a acção declarativa, com algumas especialidades.
Afigurou-se ainda conveniente estabelecer uma regra sobre formulação do pedido em processo penal, com o dever de notificação oficiosa, para que as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde possam reclamar os seus créditos, concretizando assim o princípio da economia processual.
Consagram-se também formas consensuais de resolução dos litígios inerentes à cobrança das dívidas das entidades seguradoras, com o duplo objectivo de a tornar mais eficiente e simultaneamente diminuir o número de processos pendentes nas instâncias judiciais. Neste sentido, estabelece-se uma possibilidade genérica de recurso à arbitragem e admite-se a institucionalização desta forma de resolução de conflitos.
Com o objectivo de tornar mais célere o pagamento das dívidas às instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, estabelecem-se regras especiais no âmbito dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, independentemente do apuramento de responsabilidade.
Foram ouvidos a Associação Portuguesa de Seguros e o Instituto de Seguros de Portugal.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:

SECÇÃO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados.

Artigo 2.º
Pagamento

O pagamento dos cuidados de saúde prestados pelas entidades a que se refere o artigo anterior deve efectuar-se no prazo de 30 dias a contar da interpelação, a realizar por quaisquer das formas previstas no artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo.

Artigo 3.º
Prescrição

Os créditos a que se refere o presente diploma prescrevem no prazo de três anos, contados da data da cessação da prestação dos serviços que lhes deu origem.

Artigo 4.º
Responsabilidade

1 – As entidades a que se referem as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 23.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, podem ser directamente demandadas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde pelos encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde.
2 – Os assistidos devem indicar a existência de apólice de seguro válida e eficaz que cubra os cuidados de saúde prestados.

SECÇÃO II
Disposições processuais
Artigo 5.º
Alegação e prova

Nas acções para cobrança das dívidas de que trata o presente diploma incumbe ao credor a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e a prova da prestação de cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice de seguro.

Artigo 6.º
Formulação de pedido em processo penal

1 – As instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde podem constituir-se partes civis em processo penal relativo a facto que tenha dado origem à prestação de cuidados de saúde, para dedução de pedido de pagamento das respectivas despesas.
2 – Para os efeitos previstos no número anterior, o despacho de acusação ou, não o havendo, o despacho de pronúncia é oficiosamente notificado às instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, para, querendo, deduzirem o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.

Artigo 7.º
Competência territorial

As acções previstas no presente diploma devem ser propostas no tribunal da sede da entidade credora.

Artigo 8.º
Arbitragem

1 – As instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde e as entidades responsáveis pelos encargos decorrentes das prestações de saúde podem acordar no recurso à arbitragem, nos termos da lei, para a resolução de conflitos sobre a matéria a que respeita o artigo 1.º
2 – O Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, em representação das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, fica autorizado a realizar arbitragens voluntárias institucionalizadas, através da criação, por protocolo, de um centro de arbitragem de carácter especializado e permanente, que actuará no âmbito dos conflitos referidos no número anterior.

SECÇÃO III
Dívidas resultantes de acidentes de viação
Artigo 9.º
Pagamento sem apuramento de responsabilidade

1 – Independentemente do apuramento do responsável, as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde poderão exigir das seguradoras o pagamento dos encargos decorrentes dos cuidados de saúde prestados a vítimas de acidentes de viação, desde que abrangidos pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil, válido e eficaz, e até ao limite de 1000 contos por acidente e lesado, nos termos dos números seguintes.
2 – No caso de a assistência ser prestada aos ocupantes dos veículos envolvidos no acidente, cada seguradora suporta os encargos correspondentes às pessoas transportadas no veículo que segurar, com excepção do condutor.
3 – No caso de atropelamento, a seguradora do veículo atropelante suporta os encargos correspondentes à prestação de cuidados à vítima.
4 – O pagamento efectuado pela seguradora, nos termos previstos neste artigo, não faz presumir o reconhecimento de responsabilidade civil ou criminal pela produção do acidente, nem determina, por si só, a obrigação de reparar quaisquer outros danos dele emergentes.
5 – Às dívidas resultantes de acidentes de viação não incluídas na previsão do n.º 1 é aplicável o regime geral de cobrança de dívidas previsto neste diploma.

Artigo 10.º
Prazo de pagamento

1 – Os pagamentos a que se refere o artigo anterior devem ser feitos no prazo de 90 dias após a apresentação da factura.
2 – Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 9.º, se a seguradora interpelada não se considerar responsável pelo pagamento dos cuidados de saúde, deve indicar, dentro do prazo referido no número anterior, os respectivos fundamentos.
3 – No caso de a factura suscitar dúvidas fundadas sobre a existência ou o montante da dívida, deverá a instituição credora, para que o crédito seja exigível, fazer prova dos factos em que baseia a reclamação, em conferência de médicos nomeados pelas partes.

Artigo 11.º
Sub-rogação

As seguradoras ficam sub-rogadas nos direitos das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde relativamente aos montantes pagos nos termos do artigo 9.º

Artigo 12.º
Reembolso

1 – As seguradoras têm direito ao reembolso por parte das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, no caso de cuidados de saúde prestados à vítima a que se refere o n.º 3 do artigo 9.º, em virtude de acidente de viação da responsabilidade desta.
2 – O reembolso referido no número anterior deve ser feito no prazo de 90 dias após a data da interpelação.

SECÇÃO IV
Disposições transitórias e finais
Artigo 13.º
Disposição transitória

O disposto no artigo 9.º apenas se aplica aos créditos emergentes de cuidados de saúde prestados a vítimas de acidentes de viação ocorridos a partir das 0 horas do dia da entrada em vigor do presente diploma.

Artigo 14.º
Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 194/92, de 8 de Setembro, sem prejuízo da sua aplicação aos processos pendentes.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 6 de Abril de 1999. – António Manuel de Oliveira Guterres – João Carlos da Costa Ferreira da Silva – José Eduardo Vera Cruz Jardim – Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina.
Promulgado em 27 de Maio de 1999.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 1 de Junho de 1999.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.