Decreto Legislativo Regional n.º 4/2003/M

Decreto Legislativo Regional n.º 4/2003/M
Estatuto do Sistema Regional de Saúde

A regionalização dos serviços de saúde e a consequente criação do Sistema Regional de Saúde, desencadeadas a partir de 1977, permitiram, com base no elemento nuclear do sistema convencionado – o Serviço Regional de Saúde, em complementaridade com o sector privado -, significativas melhorias no estado de saúde da nossa população, conforme o demonstram todos os indicadores.
O desenvolvimento normativo mais recente do Sistema surgiu na sequência da publicação da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, e assentou, no âmbito da Região Autónoma da Madeira, no Decreto Legislativo Regional n.º 21/91/M, de 7 de Agosto, que aprovou o Estatuto do Sistema de Saúde. À luz destes diplomas erigiu-se a estrutura orgânica e o funcionamento do Serviço Regional de Saúde, aprovado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 27/92/M, de 24 de Setembro.
Com aquele Estatuto, a Região ficou dotada de um diploma global que constituiu o referencial de toda a legislação subsequente, bem como da política de saúde e da prestação de cuidados nesta Região Autónoma.
Volvidas duas décadas e meia de existência do Sistema Regional de Saúde e passada uma década desde o último desenvolvimento jurídico do Sistema, importa renová-lo face aos desafios que se colocam, neste início de século e de milénio, de modo que a Região possa apostar na saúde como um investimento nas pessoas, no sentido de constituir um poderoso factor de reforço da coesão e do desenvolvimento económico-social, evoluindo do modelo actual para um sistema mais eficiente, justo e solidário.
Desde os inícios da última década que os sistemas de saúde de grande parte dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento atravessam períodos de reformas, no quadro de processos tão diversificados em termos de medidas quanto em matéria de resultados.
Ciente dos constrangimentos com que actualmente se defronta, a reforma do sector está consubstanciada como um dos objectivos estratégicos do actual Programa de Governo, apostado na sua inovação e modernização, no sentido de tornar o Sistema permeável às mudanças e inovações que se impõem às sociedades, no duplo sentido da resolução eficaz dos problemas e antecipação de respostas.
Face às actuais necessidades de mudança do Sistema, importa, partindo das potencialidades de desenvolvimento normativo oferecidas pela Lei de Bases da Saúde, designadamente quanto à realização de experiências inovadoras na gestão de unidades de saúde, à articulação e continuidade na prestação de cuidados, à investigação e à dinamização da qualidade na área da saúde e ao apoio e complementaridade do sector particular e convencionado da saúde, criar o enquadramento jurídico necessário à evolução do Sistema.
É neste contexto que surge o presente diploma, visando a criação de um quadro normativo em que fique claramente definida a arquitectura do novo Sistema, os seus princípios estruturantes e os critérios para o seu desenvolvimento aberto, harmonioso e coerente.
Nesta sequência, o Estatuto ora aprovado pretende concretizar os seguintes princípios estratégicos:
a) A definição clara do Sistema de Saúde, das funções e dos elementos que o integram;
b) O reforço e clarificação do papel do Governo Regional na definição da política de saúde e na regulação do Sistema;
c) A separação entre a função financiadora e a função prestadora;
d) O reconhecimento do utente como elemento central do Sistema, bem como a afirmação do seu papel no acompanhamento e participação no desenvolvimento do Sistema Regional de Saúde;
e) A consagração efectiva do Serviço Regional de Saúde como unidade integrada de prestação de cuidados de saúde continuados, orientada para a obtenção de ganhos em saúde;
f) A implementação de novos métodos de gestão das unidades de saúde, que promovam a competência, a responsabilização e a eficácia, com incentivos à produtividade, e garantias de melhoria contínua de qualidade.
Com o presente diploma pretende-se plasmar o quadro jurídico orientador para o novo Sistema Regional de Saúde do século XXI.
Assim:
A Assembleia Legislativa Regional da Madeira, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela base VIII, conjugada com a base XXXVI, da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, decreta, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 37.º e na alínea m) do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, revisto e alterado pelas Leis n.os 130/99, de 21 de Agosto, e 12/2000, de 21 de Junho, o seguinte:

Artigo 1.º

É aprovado o Estatuto do Sistema Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira, publicado em anexo ao presente diploma, do qual faz parte integrante.

Artigo 2.º

1 – É revogado o Decreto Legislativo Regional n.º 21/91/M, de 7 de Agosto.
2 – Os diplomas legais publicados no âmbito do enquadramento do Decreto Legislativo Regional n.º 21/91/M, de 7 de Agosto, mantêm-se em vigor até à sua substituição pelos diplomas regulamentares que vierem a ser publicados.

Artigo 3.º

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Aprovado em sessão plenária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira em 26 de Fevereiro de 2003.
O Presidente da Assembleia Legislativa Regional, José Miguel Jardim d’Olival Mendonça.
Assinado em 19 de Março de 2003.
Publique-se.
O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira, Antero Alves Monteiro Diniz.

ESTATUTO DO SISTEMA REGIONAL DE SAÚDE
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto e âmbito

1 – O presente diploma define as normas enquadradoras gerais aplicáveis ao Sistema Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira.
2 – O Sistema Regional de Saúde é instituído em função das particularidades específicas e das necessidades de saúde da Região e desenvolve-se em obediência aos princípios estabelecidos pela Constituição da República, pelo Estatuto Político-Administrativo, pela Lei de Bases da Saúde, pelo presente diploma e legislação subsequente.

Artigo 2.º
Natureza

O Sistema Regional de Saúde é o conjunto articulado de todos os recursos humanos, financeiros e materiais de natureza pública, privada ou mista que a Região reúne para assegurar o direito à protecção da saúde da população, em especial a promoção e a prestação de cuidados de saúde aos utentes, de acordo com as suas necessidades.

Artigo 3.º
Missão do Sistema Regional de Saúde

O Sistema Regional de Saúde tem como missão promover o direito à saúde de todos os cidadãos abrangidos pelo Sistema, com atendimento de qualidade, em tempo útil, com eficiência e humanidade, no quadro dos recursos humanos, financeiros e técnicos disponíveis no Serviço Regional de Saúde, em regime de parceria com entidades privadas e em cooperação com serviços ou instituições do Serviço Nacional de Saúde.

Artigo 4.º
Princípios fundamentais do Sistema Regional de Saúde

Constituem princípios fundamentais do Sistema Regional de Saúde:
a) Princípio da universalidade, traduzido na garantia de que todos têm acesso aos cuidados de saúde adequados à sua situação e necessidades;
b) Princípio da centralidade do utente, determinando que toda a acção política da entidade reguladora do Sistema e toda a acção dos serviços de saúde é centrada no cidadão e nas suas necessidades de saúde, prevalecendo estes sobre quaisquer outros interesses;
c) Princípio da participação e responsabilização, implicando que o utente é igualmente responsável pela promoção e protecção da sua própria saúde, podendo participar no desenvolvimento dos serviços de saúde e da defesa dos valores éticos e sociais que os sustentam;
d) Princípio da equidade, determinando que os recursos afectos ao Sistema são distribuídos entre os indivíduos, de acordo com as suas necessidades, privilegiando a justiça e a solidariedade na distribuição dos mesmos;
e) Princípio da integração e continuidade de cuidados, segundo o qual a orientação e o funcionamento dos serviços de saúde devem estruturar-se no sentido de assegurar ao utente respostas integradas, priorizando-se a referenciação clínica personalizada, o atendimento articulado e continuado nos vários níveis de cuidados, de acordo com as suas necessidades e com o objectivo de obtenção de ganhos em saúde;
f) Princípio da inovação na gestão, no sentido de que os serviços de saúde devem privilegiar, na sua organização e na sua gestão, a adopção de métodos inovadores, visando desburocratizar, agilizar os procedimentos e melhor defender o uso dos recursos, com o objectivo de atingir uma maior eficiência e um melhor desempenho dos serviços;
g) Princípio da eficiência, segundo o qual os serviços e respectivos profissionais devem utilizar e gerir os recursos disponíveis, no sentido de deles retirar a maior rentabilidade, incrementando a produtividade e a qualidade dos resultados obtidos;
h) Princípio da complementaridade, garantindo que o Sistema Regional de Saúde é estruturado com respeito pela complementaridade dos sectores privado e social com o sector público, no sentido do seu funcionamento articulado, de modo a garantir a continuidade das actividades de protecção da saúde.

CAPÍTULO II
Sistema Regional de Saúde
Artigo 5.º
Funções do Sistema Regional de Saúde

1 – Para a prossecução dos seus objectivos, o Sistema organiza a actividade dos seus diferentes elementos de forma descentralizada e participada, autonomizando três funções:
a) A função de promoção da saúde e de prestação de cuidados;
b) A função reguladora;
c) A função financiadora.
2 – A função de promoção da saúde e de prestação de cuidados é exercida pelo Serviço Regional de Saúde e por todas as entidades públicas e privadas legalmente habilitadas para o efeito, compreendendo, igualmente, a implementação e o desenvolvimento de actividades de investigação no domínio da saúde.
3 – A função reguladora é exercida pelo Governo Regional, através da secretaria regional responsável pela área da saúde, competindo-lhe, em especial, o planeamento estratégico, a orientação, a regulação técnico-normativa, a inspecção e a avaliação do Sistema.
4 – A função financiadora é exercida pelas secretarias regionais responsáveis pelas áreas da saúde e das finanças e por todas as entidades às quais, por lei ou por contrato, incumba o pagamento de prestações de saúde.

Artigo 6.º
Elementos do Sistema Regional de Saúde

Constituem elementos do Sistema, nomeadamente, os seguintes:
a) O Serviço Regional de Saúde;
b) Outros serviços e organismos dependentes da secretaria regional responsável pela área da saúde;
c) As autoridades de saúde;
d) Os subsistemas de saúde;
e) As instituições particulares de solidariedade social;
f) As pessoas colectivas, com ou sem fim lucrativo, desde que intervenham no domínio da saúde;
g) Os profissionais de saúde em exercício individual.

Artigo 7.º
Natureza e regime do Serviço Regional de Saúde

1 – O Serviço Regional de Saúde é o serviço público responsável pela função prestadora de cuidados de saúde, dotado de personalidade jurídica, de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que pode revestir natureza empresarial e integra os cuidados primários e hospitalares de saúde, constituindo o elemento nuclear do Sistema.
2 – Por decreto legislativo regional é definido o regime e orgânica do Serviço Regional de Saúde, podendo este adoptar, na sua organização e funcionamento, formas inovadoras de gestão, de acordo com os princípios previstos no presente diploma e na lei geral.

Artigo 8.º
Atribuições do Serviço Regional de Saúde

O Serviço Regional de Saúde tem por objectivo a promoção da saúde e a prestação de cuidados de saúde à população, com atendimento de qualidade, em tempo útil, com eficiência e humanidade.

Artigo 9.º
Autoridades de saúde

1 – As autoridades de saúde são os órgãos da Região que a nível regional e local têm por funções a defesa da saúde pública e a vigilância das decisões de outras entidades nesta matéria, nos termos da lei.
2 – Compete, em especial, às autoridades de saúde assegurar a vigilância e a defesa sanitária da fronteira aérea e marítima, em colaboração com as autoridades nacionais e internacionais.
3 – No exercício das suas funções, as autoridades de saúde dependem hierarquicamente do membro do Governo Regional responsável pela área da saúde.

Artigo 10.º
Subsistemas de saúde

1 – Os subsistemas de saúde são entidades de natureza pública ou privada, que por lei ou por contrato asseguram prestações de saúde a grupos de cidadãos, ou comparticipam financeiramente nos correspondentes encargos.
2 – Os subsistemas de saúde articulam o seu funcionamento com o Serviço Regional de Saúde em matéria de prestações de saúde e do respectivo financiamento, podendo, para o efeito, celebrar protocolos.
3 – Os cuidados prestados pelo Serviço Regional de Saúde a beneficiários de subsistemas serão cobrados de acordo com a tabela de preços a praticar pelo Serviço Regional de Saúde.
4 – O Serviço Regional de Saúde procede à articulação com a ADSE para facilitar aos beneficiários deste subsistema o acesso aos cuidados e o apoio administrativo e financeiro de que necessitem.
5 – A articulação a que se refere o número anterior é definida em protocolo estabelecido entre o Governo Regional e os serviços competentes do Governo da República.

Artigo 11.º
Instituições particulares de solidariedade social

1 – As instituições particulares de solidariedade social ficam sujeitas, no que respeita às suas actividades de saúde, ao poder tutelar e de inspecção da secretaria regional responsável pela área da saúde.
2 – Pode a secretaria da tutela prestar apoio técnico e financeiro às instituições particulares de solidariedade social para o desenvolvimento de actividades que contribuam para a realização do direito à protecção da saúde.
3 – O apoio técnico pode consistir na afectação de pessoal técnico por períodos e em termos a definir com as entidades envolvidas, através de acordos de cooperação.

Artigo 12.º
Organizações com fins lucrativos

As organizações privadas com objectivos de saúde e fins lucrativos estão sujeitas a licenciamento, regulamentação, inspecção e vigilância da qualidade por parte da secretaria regional responsável pela área da saúde, nos termos da lei.

Artigo 13.º
Profissionais liberais

O exercício de qualquer profissão que implique a prestação de cuidados de saúde em regime liberal é regulamentado nos termos da lei, fica dependente do cumprimento dos requisitos legais e sujeito à fiscalização da secretaria regional responsável pela área da saúde, sem prejuízo das funções cometidas às ordens profissionais.

CAPÍTULO III
Utentes
Artigo 14.º
Estatuto dos utentes

1 – O utente é o elemento central e o destinatário do Sistema Regional de Saúde.
2 – Os utentes gozam de um conjunto de direitos e deveres definidos na lei geral.
3 – É dever das entidades prestadoras de cuidados de saúde informar o utente dos seus direitos e deveres e desenvolver todas as iniciativas que facilitem o seu acesso e acolhimento, em termos que favoreçam uma prestação de serviços humanizada.

CAPÍTULO IV
Contratação com terceiros
Artigo 15.º
Gestão por outras entidades

1 – A gestão de serviços do Serviço Regional de Saúde pode ser total ou parcialmente entregue a outras entidades, mediante contrato de gestão.
2 – A celebração de contrato previsto no número anterior deverá ser precedida de concurso público.
3 – Os serviços de saúde geridos nos termos do presente artigo integram-se no Serviço Regional de Saúde, estando as entidades gestoras obrigadas a assegurar o acesso às prestações de saúde, nos termos dos demais prestadores de cuidados nele integrados.
4 – As condições a que deve obedecer a gestão em regime de contrato são definidas por decreto legislativo regional.

Artigo 16.º
Contratação de serviços

1 – A secretaria do Governo Regional com tutela na área da saúde pode celebrar contratos e convenções com pessoas privadas, singulares ou colectivas, que visem a prestação de cuidados de saúde, com fins de promoção da saúde, de prevenção, de diagnóstico e terapêutica da doença e de reabilitação, destinados aos utentes do Serviço Regional de Saúde.
2 – Os prestadores a que se refere o número anterior são integrados na rede regional de prestação de cuidados de saúde.
3 – O recurso aos serviços prestados através de contratos não pode pôr em causa o racional aproveitamento da capacidade instalada no sector público, nem prejudicar a garantia de acessibilidade.
4 – O clausulado tipo dos contratos a celebrar é definido por portaria do membro do Governo Regional responsável pela área da saúde.

CAPÍTULO V
Articulação do Sistema Regional de Saúde com outras entidades
Artigo 17.º
Articulação com a segurança social

1 – Os serviços e instituições do Sistema Regional de Saúde e os da segurança social cooperam nos programas e acções que envolvam a protecção social das pessoas ou grupos desfavorecidos ou em risco de exclusão.
2 – São, entre outras, áreas preferenciais de cooperação:
a) Programas gerais de promoção da saúde, prevenção, reabilitação e tratamento da doença, em especial programas destinados a pessoas idosas, a pessoas com deficiência ou em situação de dependência e nos programas de apoio à maternidade e à infância;
b) Programas coordenados de acção social e saúde.

Artigo 18.º
Cooperação no ensino e na investigação

Os serviços e as instituições do Sistema Regional de Saúde devem facultar aos estabelecimentos de ensino que ministrem cursos na área da saúde oportunidades de prática profissional, de demonstração e de investigação científica, mediante protocolo que estabeleça a forma de colaboração, as obrigações e prestações mútuas e a repartição dos encargos financeiros ou outros resultantes daquela colaboração.

Artigo 19.º
Articulação com os órgãos nacionais e estrangeiros

1 – Poderão ser estabelecidos protocolos de cooperação entre a secretaria do Governo Regional com tutela na área da saúde, os seus serviços centrais ou personalizados e os serviços centrais do Ministério da Saúde ou outros serviços e instituições de saúde a funcionar na dependência deste.
2 – Poderá igualmente a entidade reguladora do Sistema celebrar protocolos de cooperação com organismos nacionais e estrangeiros em matérias que se revelem de interesse para a melhoria dos cuidados de saúde.

CAPÍTULO VI
Disposições finais
Artigo 20.º
Contratos e convenções

Os contratos e convenções celebrados no âmbito do Serviço Regional de Saúde devem ser revistos após a entrada em vigor do presente diploma e de acordo com os seus princípios.

Artigo 21.º
Aplicação do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde

As normas cujo âmbito de aplicação seja o Serviço Nacional de Saúde, publicadas a partir da entrada em vigor do presente diploma, podem ser aplicadas e adaptadas à Região.

Artigo 22.º
Regulamentação

Compete ao Governo Regional adoptar as medidas regulamentares necessárias à boa execução do disposto no presente diploma.