Regulamento n.º 14/2009

Regulamento n.º 14/2009, de 13 de Janeiro

Código Deontológico da Ordem dos Médicos
(versão original aqui)

Preâmbulo

Um Código Deontológico destinado a médicos é um conjunto de normas de comportamento, cuja prática não só é recomendável como deve servir de orientação nos diferentes aspectos da relação humana que se estabelece no decurso do exercício profissional.
Nele se contêm sempre dois tipos de normas: um primeiro, que diz respeito aos princípios éticos fundamentais, que são imutáveis nos tempos e nos lugares, encontrando-se fora e acima de conceitos ideológicos ou políticos; são exemplos bem marcantes o respeito pela vida humana e pela sua dignidade essencial, o dever da não discriminação, a protecção dos diminuídos e dos mais fracos, o dever de segredo médico, o dever de solidariedade e o dever de entreajuda e respeito entre profissionais, bem como o de contribuir para o progresso da medicina. São igualmente exemplos as normas que resultem directamente da aplicação de princípios éticos fundamentais como o princípio da beneficência, da não maleficência, da autonomia e da justiça.
Existe um segundo tipo de normas, que se podem designar parcialmente por acidentais, que, embora úteis e mesmo necessárias, podem variar no tempo e no lugar. Entre elas encontramos como exemplos a publicidade médica e os honorários, as relações com as administrações públicas, o exercício da Medicina em instituições de saúde ou as relações técnicas com outros profissionais. São normas que derivam dos usos e costumes, bem como da cultura própria das comunidades onde se originam.
Além destes dois tipos de normas podem existir novos factos que o progresso das ciências obriga a tomar em consideração sob um ponto de vista ético. A intervenção genética, de que o modelo mais falado foi a clonagem; os novos conceitos de avaliação da morte; e o desenvolvimento das possibilidades e das técnicas de transplantação são, entre outros, novos problemas que é necessário introduzir num Código Deontológico.
Igualmente alguns princípios, como o da defesa intransigente da vida, que é imprescindível manter, devem ser abordados à luz da reflexão ética e científica, atento o facto incontornável de não haver uma posição unânime sobre o momento do seu início. Assume assim, nesta matéria, uma importância particular a reflexão ética do médico à luz das suas convicções, dos conhecimentos científicos mais actuais e dos valores em presença.
Em todas as circunstâncias, as condutas que o Código postula estão condicionadas pela informação científica disponível, pelas recomendações da Ordem e pelo princípio ético geral da prudência, sem prejuízo do direito à objecção de consciência, inclusive em relação à legislação em vigor.
Um Código Deontológico é, afinal, tal como a Ética Médica que lhe dá origem, algo em permanente evolução, actualização e adaptação à realidade. Por outro lado, inscrevendo-se os códigos deontológicos profissionais no acervo jurídico de uma determinada sociedade, e retirando a sua força vinculativa da auto-regulação outorgada à organização que o adoptou, integram-se no quadro legislativo geral.
Sem prejuízo de os tribunais, por aplicação da Lei, poderem tornar ineficazes as decisões disciplinares que resultam da sua aplicação, não pode o Código Deontológico deixar de reflectir a Ética Médica e só esta.
Se aos médicos e só a estes compete adaptar e alterar o seu Código Deontológico, estão os médicos vinculados a dar testemunho de princípios éticos universais que estruturam e tornam significante a sua cultura e a sua existência como profissão.
No texto normativo que se apresenta a seguir quiseram manter-se bem claras as regras deontológicas fundamentais; procuraram actualizar-se aspectos relacionados com os conhecimentos actuais da ciência médica; tenta-se uma maior simplificação, aliviando o texto de referências exaustivas de regras que estão consagradas na legislação.
Assim, em cumprimento do estabelecido na alínea a) do artigo 6.º e ao abrigo das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 57.º, da alínea j) do artigo 64.º, com observância do artigo 80.º, todos do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de Julho, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 326/87, de 01 de Setembro, e 217/94, de 20 de Agosto foi aprovado o seguinte Código Deontológico:

TÍTULO I
Disposições gerais
CAPÍTULO I
Princípios gerais
Artigo 1.º
(Deontologia Médica)

A Deontologia Médica é o conjunto de regras de natureza ética que, com carácter de permanência e a necessária adequação histórica na sua formulação, o médico deve observar e em que se deve inspirar no exercício da sua actividade profissional, traduzindo assim a evolução do pensamento médico ao longo da história e tem a sua primeira formulação no código hipocrático.

Artigo 2.º
(Âmbito)

1 – As disposições reguladoras da Deontologia Médica são aplicáveis a todos os médicos no exercício da sua profissão, independentemente do regime em que esta seja exercida.
2 – O disposto no número anterior não é prejudicado pelo facto de, num caso concreto, em face da legislação em vigor, não ser possível a sua aplicação ou sancionada a sua violação.
3 – Nas circunstâncias do número anterior, as disposições deste Código mantêm-se com carácter indicativo ético, podendo ser alegadas designadamente para efeito de objecção de consciência.

Artigo 3.º
(Independência dos médicos)

1 – O médico, no exercício da sua profissão, é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus actos.
2 – Em caso algum o médico pode ser subordinado à orientação técnica e deontológica de estranhos à profissão médica no exercício das funções clínicas.
3 – O disposto no número anterior não contraria a existência de hierarquias técnicas institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas, não podendo, contudo, em nenhum caso, um médico ser constrangido a praticar actos médicos contra sua vontade, sem prejuízo do disposto no artigo 7.º e 41.º, número 1.

Artigo 4.º
(Competência exclusiva da Ordem dos Médicos)

1 – O reconhecimento da responsabilidade dos médicos emergente de infracções à Deontologia Médica é uma competência disciplinar exclusiva da Ordem.
2 – Quando as violações à Deontologia Médica se verifiquem em relação a médicos que exerçam a sua profissão vinculados a entidades públicas, cooperativas sociais ou privadas devem estas entidades limitar-se a comunicar à Ordem as presumíveis infracções.
3 – Se a factualidade das infracções deontológicas e técnicas preencher também os pressupostos de uma infracção disciplinar incluída na competência legal daquelas entidades, as respectivas competências devem ser exercidas separadamente.

CAPÍTULO II
Deveres dos médicos
Artigo 5.º
(Princípio geral)

1 – O médico deve exercer a sua profissão com o maior respeito pelo direito à protecção da saúde das pessoas e da comunidade.
2 – O médico não deve considerar o exercício da Medicina como uma actividade orientada para fins lucrativos, sem prejuízo do seu direito a uma justa remuneração.
3 – São condenáveis todas as práticas não justificadas pelo interesse do doente ou que pressuponham ou criem falsas necessidades de consumo.
4 – O médico, no exercício da sua profissão, deve igualmente, e na medida que tal não conflitue com o interesse do seu doente, proteger a sociedade, garantindo um exercício consciente, procurando a maior eficácia e eficiência na gestão rigorosa dos recursos existentes.
5 – São ainda deveres dos médicos todos aqueles referidos no Estatuto da Ordem dos Médicos, nomeadamente no seu artigo 13.º

Artigo 6.º
(Proibição de discriminação)

O médico deve prestar a sua actividade profissional sem qualquer forma de discriminação.

Artigo 7.º
(Situação de urgência)

O médico deve, em qualquer lugar ou circunstância, prestar tratamento de urgência a pessoas que se encontrem em perigo imediato, independentemente da sua função específica ou da sua formação especializada.

Artigo 8.º
(Greve de médicos)

1 – Os médicos são titulares do direito constitucional e legalmente regulamentado de fazer greve.
2 – O exercício de tal direito não pode, contudo, violar os princípios de Deontologia Médica, devendo os médicos assegurar os cuidados inadiáveis aos doentes.
3 – Devem ser sempre garantidos os serviços mínimos, que, caso não se obtenha outra definição, se entende como os disponibilizados aos domingos e feriados.

Artigo 9.º
(Actualização e preparação científica)

O médico deve cuidar da permanente actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica, sendo dever ético fundamental o exercício profissional diligente e tecnicamente adequado às regras da arte médica (leges artis).

Artigo 10.º
(Dignidade)

Em todas as circunstâncias deve o médico ter comportamento público e profissional adequado à dignidade da sua profissão, sem prejuízo dos seus direitos de cidadania e liberdade individual.

CAPÍTULO III
Publicidade
Artigo 11.º
(Princípio geral)

Atenta a necessidade de credibilidade e de correspondência com o n.º 3 do artigo 5.º, na divulgação da sua actividade o médico deve abster-se de propaganda e de autopromoção.

Artigo 12.º
(Proibições)

1 – É proibida ao médico toda a espécie de publicidade que não seja meramente informativa das condições de atendimento ao público e da sua competência profissional, cujo título esteja reconhecido pela Ordem.
2 – É especialmente vedado aos médicos:
a) Promover, fomentar ou autorizar notícias referentes a medicamentos, métodos de diagnóstico ou de terapêutica, a resultados dos cuidados que haja ministrado no exercício da sua profissão, casos clínicos ou outras questões profissionais a si confiadas, ou de que tenha conhecimento, com intuitos propagandísticos próprios ou de estabelecimento em que trabalhe;
b) Promover ou de qualquer forma incentivar a divulgação de agradecimentos públicos, qualquer que seja o meio de comunicação utilizado, relativos à sua qualidade profissional ou ao resultado dos cuidados de saúde que haja ministrado.
3 – É particularmente grave a divulgação de informação susceptível de ser considerada como garantia de resultados ou que possa ser considerada publicidade enganosa.

Artigo 13.º
(Permissões)

São admitidas as seguintes formas de publicidade:
a) A afixação de tabuletas no exterior dos consultórios;
b) A utilização de cartões-de-visita, papel timbrado e de receitas;
c) A publicação de anúncios em jornais ou revistas de carácter geral e listas telefónicas, bem como na internet e noutros meios de natureza análoga, em conformidade com o disposto no artigo 16.º

Artigo 14.º
(Tabuletas)

As tabuletas afixadas no exterior dos consultórios, residência ou locais de actividade do médico, apenas poderão conter:
a) Nome ou nome clínico;
b) Designação da qualidade de médico, da especialidade ou competência cuja menção seja autorizada pela Ordem;
c) Título profissional em conformidade com o artigo 18.º;
d) Local, número de telefone, fax, correio electrónico e horário de exercício profissional.

Artigo 15.º
(Receitas médicas)

1 – Encontram-se abrangidos pelo número b) do artigo 13.º e são válidos como receitas médicas:
a) Impressos em uso nas unidades constituintes do Serviço Nacional de Saúde ou noutras entidades prestadoras de cuidados de saúde, desde que não violem as disposições deontológicas;
b) Impressos legalmente obrigatórios para grupos particulares de fármacos ou produtos de uso médico;
c) Folhas de papel ou outro material que suporte a escrita de dimensão igual ou inferior a A4 onde constem o nome, a morada e o número de inscrição na Ordem.
d) Poderão ser válidas como receitas, formas desmaterializadas, nomeadamente as que resultem de transmissão electrónica, desde que garantam a confidencialidade e mediante prévia aprovação pela Ordem.
2 – As receitas médicas poderão conter as menções constantes no artigo 14.º
3 – Não são válidas como receitas as emitidas em papel timbrado de entidades comerciais, bem como as que contenham menções publicitárias ou informação promocional não referida no artigo 14.º

Artigo 16.º
(Publicação de anúncios)

A publicação de anúncios em jornais ou revistas de carácter geral, listas telefónicas gerais e classificadas, bem como a divulgação de informações na internet, tem de revestir forma discreta e prudente, com respeito pelo disposto nos artigos 12.º e 14.º

Artigo 17.º
(Designação de especialidades)

É permitido complementar a designação da especialidade, subespecialidade ou competência, para os efeitos dos artigos 14.º, 15.º e 16.º, por expressões mais correntes e perceptíveis pelos doentes, mediante autorização prévia da Ordem.

Artigo 18.º
(Títulos profissionais e académicos)

1 – Para os efeitos dos artigos 14.º, 15.º e 16.º, não é permitido aos médicos a utilização em receitas, tabuletas, cartões-de-visita, ou em quaisquer impressos utilizados e destinados à actividade clínica e acessíveis aos doentes, outros títulos para além dos adiante designados que ficam expressamente permitidos:
a) Médico – A todos os licenciados em Medicina inscritos na Ordem;
b) Interno do Internato Médico de… – A todos os médicos que frequentam o Internato da respectiva especialidade;
c) Médico Especialista (eventualmente seguido da indicação da especialidade, subespecialidade ou competência reconhecida pela Ordem) – A todos os médicos inscritos nos quadros dos Colégios de Especialidade da Ordem e que possuam reconhecimento da subespecialidade ou competência mencionada.
d) Graus de Carreira Médica – A todos os médicos especialistas que os tenham obtido;
e) Categorias, Graus e Títulos Académicos – A todos os médicos cuja categoria, grau ou título seja reconhecido por uma Universidade portuguesa e que exerçam ou tenham exercido de forma sustentada a docência da disciplina correspondente à actividade clínica divulgada.
2 – É particularmente vedado aos médicos utilizar na prática clínica quaisquer títulos ou designações derivados de provas, concursos ou formação nacional ou internacional que não correspondam à área específica de especialização clínica e que não tenham obtido a prévia concordância da Ordem.

Artigo 19.º
(Publicitação de estudos, investigações ou descobertas científicas)

1 – A publicitação de estudos, investigações ou descobertas científicas deve ser feita através de revistas ou de outras publicações de carácter estritamente técnico-científico, sendo vedada a sua publicitação noutros meios de comunicação social com fins de autopromoção.
2 – É obrigatória a menção de eventuais interesses em presença.

Artigo 20.º
(Colaboração com os meios de comunicação social)

1 – Sem prejuízo das normas respeitantes ao segredo profissional, o médico poderá divulgar informação de carácter clínico relevante para o público, que deve ser feita de forma cientificamente correcta, facilmente perceptível, contextualizada com as indicações clínicas, resultados obtidos e alternativas.
2 – O médico não deve fomentar notícias referentes à sua pessoa que possam, de alguma forma, consubstanciar publicidade à sua actividade profissional.

Artigo 21.º
(Sociedades comerciais)

As sociedades comerciais que utilizam na sua denominação social o nome de um médico inscrito na Ordem consideram-se englobadas nas disposições deste Código, devendo os médicos que nelas possuam participações sociais zelar pelo cumprimento destes princípios.

CAPÍTULO IV
Consultórios médicos
Artigo 22.º
(Consultório médico)

1 – O consultório médico é o local de trabalho onde o médico exerce, de um modo autónomo, actividade profissional liberal.
2 – É dever do médico comunicar à Ordem, no prazo de sessenta dias a contar do início da actividade, a localização do seu consultório.
3 – O médico tem obrigação de comunicar à Ordem a actividade que pretende realizar no seu consultório quando ela exceda o estrito âmbito da consulta e envolva qualquer espécie de tratamento cirúrgico ou endoscópico, sob anestesia geral ou intervenção de risco equivalente.
4 – É vedado o exercício dos actos médicos referidos no número anterior sem que os órgãos próprios da Ordem dos Médicos procedam à vistoria do consultório e à emissão de parecer favorável.

Artigo 23.º
(Instalações e meios técnicos)

1 – O consultório médico deve ter instalações e meios técnicos adequados ao exercício da profissão.
2 – Não devem ser realizadas actividades em condições que possam comprometer a qualidade dos actos médicos e o respectivo segredo.

Artigo 24.º
(Localização)

O consultório médico não deve situar-se no interior de instalações de entidades não médicas das áreas dos cuidados de saúde, nomeadamente as que prossigam fins comerciais.

Artigo 25.º
(Condições funcionais do consultório)

O consultório médico deve ter condições que garantam a independência da profissão, nomeadamente:
a) Possuir porta de acesso diferente daquela pela qual se acede a qualquer entidade dedicada a outros fins, nomeadamente qualquer entidade não médica nos termos do artigo 24.º, com excepção do consultório instalado em habitação do médico, desde que o respectivo espaço tenha exclusivamente esse fim;
b) Possuir equipamento adequado ao exercício dos actos médicos propostos, sendo o médico livre na sua utilização, sem condicionantes para a realização de quaisquer actos complementares por parte de eventuais proprietários do equipamento;
c) Possuir serviços de apoio, nomeadamente salas de espera e lavabos para utilização dos doentes, sem que essa utilização seja condicionada pela frequência de qualquer entidade a que se refere o artigo 24.º;
d) Possuir sistema de marcação de consultas que não obrigue o doente à frequência de qualquer entidade a que se refere o artigo 24.º

Artigo 26.º
(Fiscalização do consultório)

1 – A Ordem pode, através dos seus órgãos próprios, proceder à vistoria do consultório para verificação das condições exigidas nos artigos 23.º a 25.º
2 – Quando, na vistoria mencionada no número anterior, se verificar que o consultório não preenche as condições para o exercício profissional, a Ordem determinará a obrigação de as reunir no prazo de noventa dias ou, no caso de desconformidade grave ou continuada, o seu encerramento.

Artigo 27.º
(Prescrições médicas)

As prescrições fornecidas pelo médico deverão ser elaboradas de forma a poderem ser apresentadas em estabelecimento da escolha do doente.

Artigo 28.º
(Proibição de substituição)

1 – O médico, temporária ou definitivamente privado do direito de exercer a profissão por decisão judicial ou disciplinar, não pode fazer-se substituir no seu consultório durante o cumprimento da pena, salvo determinação em contrário da própria decisão.
2 – A proibição prevista no número anterior não dispensa o médico de tomar as medidas adequadas para assegurar a continuidade dos cuidados médicos aos doentes em tratamento até ao início da execução da pena, devendo comunicá-las à Ordem dos Médicos.

Artigo 29.º
(Transmissibilidade de consultório)

É vedado aos médicos que exercem a profissão em consultório adquirido por transmissão utilizar o nome ou designação do médico anterior em qualquer acto da sua actividade profissional, inclusive na identificação do próprio consultório.

Artigo 30.º
(Consultórios detidos por sociedades)

Os consultórios detidos por sociedades consideram-se abrangidos pelo estabelecido neste Código, respondendo o seu director clínico pelo cumprimento das suas disposições, independentemente das responsabilidades individuais que caibam a cada médico.

TÍTULO II
O médico ao serviço do doente
CAPÍTULO I
Qualidade dos cuidados médicos
Artigo 31.º
(Princípio geral)

O médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano.

Artigo 32.º
(Isenção e liberdade profissionais)

1 – O médico só deve tomar decisões ditadas pela ciência e pela sua consciência.

2 – O médico tem liberdade de escolha de meios de diagnóstico e terapêutica, devendo, porém, abster-se de prescrever desnecessariamente exames ou tratamentos onerosos ou de realizar actos médicos supérfluos.

Artigo 33.º
(Condições de exercício)

1 – O médico deve exercer a sua profissão em condições que não prejudiquem a qualidade dos seus serviços e a especificidade da sua acção, não aceitando situações de interferência externa que lhe cerceiem a liberdade de fazer juízos clínicos e éticos e de actuar em conformidade com as leges artis.

2 – O médico tem o dever de comunicar à Ordem todas as tentativas de condicionar a liberdade do seu exercício ou de imposição de condições que prejudiquem os doentes.

Artigo 34.º
(Responsabilidade)

1 – O médico é responsável pelos seus actos e pelos praticados por profissionais sob a sua orientação, desde que estes não se afastem das suas instruções, nem excedam os limites da sua competência.

2 – Nas equipas multidisciplinares, a responsabilidade de cada médico deve ser apreciada individualmente.

Artigo 35.º
(Tratamentos vedados ou condicionados)

1 – O médico deve abster-se de quaisquer actos que não estejam de acordo com as leges artis.

2 – Exceptuam-se os actos não reconhecidos pelas leges artis, mas sobre os quais se disponha de dados promissores, em situações em que não haja alternativa, desde que com consentimento do doente ou do seu representante legal, no caso daquele o não poder fazer, e ainda os actos que se integram em protocolos de investigação, cumpridas as regras que condicionam a experimentação em e com pessoas humanas.

Artigo 36.º
(Respeito por qualificações e competências)

1 – O médico não deve ultrapassar os limites das suas qualificações e competências.

2 – As especialidades, subespecialidades, competências e formações reconhecidas pela Ordem devem ser tidas em conta.

3 – Quando lhe pareça indicado, deve pedir a colaboração de outro médico ou indicar ao doente um colega que julgue mais qualificado.

4 – Quando delegar competências noutros profissionais de saúde, médicos ou não médicos devidamente habilitados, é dever do médico não ultrapassar nesta delegação as competências destes profissionais, sendo também responsável pelos actos delegados nos termos do artigo 34.º

5 – Excepto em situações de emergência em que não possa recorrer em tempo útil a colega competente, o médico não pode, em caso algum, praticar actos médicos para os quais reconheça não ser capaz ou não possuir a competência técnica e capacidade física e mentais exigíveis.

6 – Não é permitida a delegação de actos médicos quando se transfira para não médicos as competências de estabelecimento do diagnóstico, prescrição ou gestão clínica autónoma de doentes.

Artigo 37.º
(Objecção de consciência)

1 – O médico tem o direito de recusar a prática de acto da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência, ofendendo os seus princípios éticos, morais, religiosos, filosóficos ou humanitários.

2 – O exercício da objecção de consciência deverá ser comunicado à Ordem, em documento registado, sem prejuízo de dever ser imediatamente comunicada ao doente ou a quem no seu lugar prestar o consentimento.

3 – A objecção de consciência não pode ser invocada em situação urgente e que implique perigo de vida ou grave dano para a saúde e se não houver outro médico disponível a quem o doente possa recorrer, nos termos do número 1 do artigo 41.º

Artigo 38.º
(Objecção técnica)

A recusa de subordinação a ordens técnicas oriundas de hierarquias institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas, ou a normas de orientação adoptadas institucionalmente, só pode ser usada quando o médico se sentir constrangido a praticar ou deixar de praticar actos médicos, contra a sua opinião técnica, devendo, nesse caso, justificar-se de forma clara e por escrito.

Artigo 39.º
(Dever de respeito)

1 – O médico deve sempre respeitar a pessoa do doente.

2 – A idade, o sexo, as convicções do doente, bem como a natureza da doença são elementos que devem ser tidos em consideração no exame clínico e tratamento do doente.

3 – A situação de vulnerabilidade que caracteriza a pessoa doente, bem como a dependência física e emocional que se pode estabelecer entre esta e o seu médico, torna o assédio sexual uma falta particularmente grave quando praticada pelo médico.

4 – O médico tem o direito de exigir condições para a prática médica que permitam o cumprimento deste artigo.

Artigo 40.º
(Livre escolha pelo doente)

1 – O doente tem o direito de escolher livremente o seu médico, nisso residindo um princípio fundamental da relação entre o doente e o médico, que este deve respeitar e defender.

2 – O médico assistente deve respeitar o direito do doente a mudar de médico, devendo mesmo antecipar-se, por dignidade profissional, à menor suspeita de que tal vontade exista.

Artigo 41.º
(Direito de recusa de assistência)

1 – O médico pode recusar-se a prestar assistência a um doente, excepto quando este se encontrar em perigo iminente de vida ou não existir outro médico de qualificação equivalente a quem o doente possa recorrer.

2 – O médico pode recusar-se a continuar a prestar assistência a um doente, quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Não haja prejuízo para o doente, nomeadamente por lhe ser possível assegurar assistência por médico de qualificação equivalente;
b) Tenha fornecido os esclarecimentos necessários para a regular continuidade do tratamento;
c) Tenha advertido o doente ou a família com a antecedência necessária a assegurar a substituição.

3 – A incapacidade para controlar a doença não justifica o abandono do doente.

Artigo 42.º
(Direito de recusa de acto ou exame)

O médico pode recusar qualquer acto ou exame cuja indicação clínica lhe pareça mal fundamentada.

Artigo 43.º
(Referenciação)

1 – O médico, ao referenciar o doente ou ao ajudá-lo na escolha de outro médico, nomeadamente especialista, deve guiar-se apenas pelo seu conhecimento profissional e pelo interesse daquele.

2 – Nos termos do número anterior, o médico pode livremente recomendar ao doente quaisquer estabelecimentos ou entidades prestadoras de cuidados de Saúde, seja qual for a sua natureza e independentemente do sector ou organização em que funcionalmente aqueles se integrem, sem prejuízo do disposto no artigo 24.º

3 – É considerada violação ética grave a partilha de honorários (dicotomia), traduzida na percepção de vantagens financeiras, patrimoniais ou outras, pela referenciação do doente.

Artigo 44.º
(Esclarecimento do médico ao doente)

1 – O doente tem o direito a receber e o médico o dever de prestar o esclarecimento sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença.

2 – O esclarecimento deve ser prestado previamente e incidir sobre os aspectos relevantes de actos e práticas, dos seus objectivos e consequências funcionais, permitindo que o doente possa consentir em consciência.

3 – O esclarecimento deve ser prestado pelo médico com palavras adequadas, em termos compreensíveis, adaptados a cada doente, realçando o que tem importância ou o que, sendo menos importante, preocupa o doente.

4 – O esclarecimento deve ter em conta o estado emocional do doente, a sua capacidade de compreensão e o seu nível cultural.

5 – O esclarecimento deve ser feito, sempre que possível, em função dos dados probabilísticos e dando ao doente as informações necessárias para que possa ter uma visão clara da situação clínica e optar com decisão consciente.

Artigo 45.º
(Consentimento do doente)

1 – Só é válido o consentimento do doente se este tiver capacidade de decidir livremente, se estiver na posse da informação relevante e se for dado na ausência de coacções físicas ou morais.

2 – Sempre que possível, entre o esclarecimento e o consentimento deverá existir intervalo de tempo que permita ao doente reflectir e aconselhar-se.

3 – O médico deve aceitar e pode sugerir que o doente procure outra opinião médica, particularmente se a decisão envolver grandes riscos ou graves consequências.

Artigo 46.º
(Doentes incapazes de dar o consentimento)

1 – No caso de menores ou de doentes com alterações cognitivas que os torne incapazes, temporária ou definitivamente, de dar o seu consentimento, este deve ser solicitado ao seu representante legal, se possível.

2 – Se houver uma directiva escrita pelo doente exprimindo a sua vontade, o médico deve tê-la em conta quando aplicável à situação em causa.

3 – A opinião dos menores deve ser tomada em consideração, de acordo com a sua maturidade, mas o médico não fica desobrigado de pedir o consentimento aos representantes legais daqueles.

4 – A actuação dos médicos deve ter sempre como finalidade a defesa dos melhores interesses dos doentes, com especial cuidado relativamente aos doentes incapazes de comunicarem a sua opinião, entendendo-se como melhor interesse do doente a decisão que este tomaria de forma livre e esclarecida caso o pudesse fazer.

5 – Os representantes legais ou os familiares podem ajudar a esclarecer o que os doentes quereriam para eles próprios se pudessem manifestar a sua vontade.

6 – Quando se considerar que as decisões dos representantes legais ou dos familiares são contrárias aos melhores interesses do doente, os médicos devem requerer o suprimento judicial de consentimento para salvaguardar os interesses e defender o doente.

Artigo 47.º
(Consentimento implícito)

O médico deve presumir o consentimento dos doentes nos seguintes casos:

a) Em situações de urgência, quando não for possível obter o consentimento do doente e desde que não haja qualquer indicação segura de que o doente recusaria a intervenção se tivesse a possibilidade de manifestar a sua vontade;

b) Quando só puder ser obtido com adiamento que implique perigo para a vida ou perigo grave para a saúde;

c) Quando tiver sido dado para certa intervenção ou tratamento, tendo vindo a realizar-se outro diferente, por se ter revelado imposto como meio para evitar perigo para a vida ou perigo grave para a saúde, na impossibilidade de obter outro consentimento.

Artigo 48.º
(Formas de consentimento)

1 – O consentimento pode assumir a forma oral ou escrita.

2 – O consentimento escrito e ou testemunhado é exigível em casos expressamente determinados pela lei ou regulamento deontológico.

3 – No caso de menores ou incapazes, o consentimento será dado pelos pais ou representantes legais, mas o médico não fica dispensado de tentar obter a concordância do doente, nos termos do número 3 e 6 do artigo 46.º e do artigo 52.º

Artigo 49.º
(Recusa de exames e tratamentos)

1 – Se o doente, a família ou o representante legal, esgotadas todas as formas de esclarecimento adequadas, recusarem os exames ou tratamentos indicados pelo médico, pode este recusar-se a assisti-lo nos termos do artigo 41.º, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 6 do artigo 46.º

2 – Em caso de perigo de vida de doente com capacidade para decidir, a recusa de tratamento imediato que a situação imponha só pode ser feita pelo próprio doente, expressamente e sem quaisquer coacções.

Artigo 50.º
(Revelação de diagnóstico e prognóstico)

1 – O diagnóstico e o prognóstico devem, por regra, ser sempre revelados ao doente, em respeito pela sua dignidade e autonomia.

2 – A revelação exige prudência e delicadeza, devendo ser efectuada em toda a extensão e no ritmo requerido pelo doente, ponderados os eventuais danos que esta lhe possa causar.

3 – A revelação não pode ser imposta ao doente, pelo que não deve ser feita se este não a desejar.

4 – O diagnóstico e prognóstico só podem ser dados a conhecer a terceiros, nomeadamente familiares, com o consentimento expresso do doente, a menos que este seja menor ou cognitivamente incompetente, sem prejuízo do disposto no artigo 89.º deste Código.

Artigo 51.º
(Respeito pelas crenças e interesses do doente)

1 – O médico deve respeitar as opções religiosas, filosóficas ou ideológicas e os interesses legítimos do doente.

2 – Todo o doente tem o direito a receber ou a recusar conforto moral e espiritual, nomeadamente o auxílio de um membro qualificado da sua própria religião.

3 – Se o doente ou, na incapacidade deste, os seus familiares ou representantes legais quiserem chamar um ministro ou outro membro de qualquer culto, um notário ou outra entidade legalmente competente, o médico tem o dever de o possibilitar no momento que considere mais oportuno.

Artigo 52.º
(Menores, idosos e deficientes)

O médico deve usar de particular solicitude e cuidado para com o menor, o idoso ou o deficiente, especialmente quando verificar que os seus familiares ou outros responsáveis não são suficientemente capazes ou cuidadosos para tratar da sua saúde ou assegurar o seu bem-estar.

Artigo 53.º
(Protecção de diminuídos e incapazes)

Sempre que o médico, chamado a tratar um menor, um idoso, um deficiente ou um incapaz, verifique que estes são vítimas de sevícias, maus-tratos ou assédio, deve tomar providências adequadas para os proteger, nomeadamente alertando as autoridades competentes.

Artigo 54.º
(Acompanhante do doente e limitação de visitas)

1 – O médico respeitará o desejo do doente de fazer-se acompanhar por alguém da sua confiança, excepto quando tal possa interferir com o normal desenvolvimento do acto médico.

2 – O médico pode limitar o horário e a duração das visitas de terceiros aos doentes sob sua responsabilidade, se entender necessário à saúde do doente ou à defesa dos direitos de terceiros, tendo em vista o normal funcionamento dos serviços.

CAPÍTULO II
O início da vida
Artigo 55.º
(Princípio geral)

O médico deve guardar respeito pela vida humana desde o momento do seu início.

Artigo 56.º
(Interrupção da gravidez)

O disposto no artigo anterior não impede a adopção de terapêutica que constitua o único meio capaz de preservar a vida da grávida ou resultar de terapêutica imprescindível instituída a fim de salvaguardar a sua vida.

CAPÍTULO III
O fim da vida
Artigo 57.º
(Princípio geral)

1 – O médico deve respeitar a dignidade do doente no momento do fim da vida.

2 – Ao médico é vedada a ajuda ao suicídio, a eutanásia e a distanásia.

Artigo 58.º
(Cuidados paliativos)

1 – Nas situações de doenças avançadas e progressivas cujos tratamentos não permitem reverter a sua evolução natural, o médico deve dirigir a sua acção para o bem-estar dos doentes, evitando utilizar meios fúteis de diagnóstico e terapêutica que podem, por si próprios, induzir mais sofrimento, sem que daí advenha qualquer benefício.

2 – Os cuidados paliativos, com o objectivo de minimizar o sofrimento e melhorar, tanto quanto possível, a qualidade de vida dos doentes, constituem o padrão do tratamento nestas situações e a forma mais condizente com a dignidade do ser humano.

Artigo 59.º
(Morte)

1 – O uso de meios de suporte artificial de funções vitais deve ser interrompido após o diagnóstico de morte do tronco cerebral, com excepção das situações em que se proceda à colheita de órgãos para transplante.

2 – Este diagnóstico e correspondente declaração devem ser verificados, processados e assumidos de acordo com os critérios definidos pela Ordem.

3 – O uso de meios extraordinários de manutenção de vida deve ser interrompido nos casos irrecuperáveis de prognóstico seguramente fatal e próximo, quando da continuação de tais terapêuticas não resulte benefício para o doente.

4 – O uso de meios extraordinários de manutenção da vida não deve ser iniciado ou continuado contra a vontade do doente.

5 – Não se consideram meios extraordinários de manutenção da vida, mesmo que administrados por via artificial, a hidratação e a alimentação; nem a administração por meios simples de pequenos débitos de oxigénio suplementar.

CAPÍTULO IV
Transplante de órgãos e tecidos humanos
Artigo 60.º
(Colheita de órgãos ou tecidos humanos em pessoa viva)

1 – A remoção de órgão ou tecidos a transplantar colhidos do corpo de pessoa viva não é admitida se envolver necessariamente uma diminuição grave e permanente da integridade física do dador ou quando o fizer incorrer numa probabilidade elevada de riscos graves.

2 – A remoção de órgãos ou tecidos insubstituíveis e importantes na economia do organismo, mas não indispensáveis à sua sobrevivência, apenas será permitida após esclarecimentos detalhados ao dador e ao receptor dos riscos envolvidos e consequências a curto, médio e longo prazo.

3 – Salvo em situação de urgência, o esclarecimento ao dador e ao receptor, desde que sejam cognitivamente competentes e juridicamente capazes, de acordo com o estabelecido nos termos do artigo 50.º, deve ser facultado ao longo de todo o período das diversas consultas preparatórias, valorizando o risco do procedimento e as suas consequências imediatas e futuras.

4 – Além do esclarecimento referido no número anterior, é aconselhável que o dador seja também esclarecido por médicos que não intervenham no tratamento do receptor.

5 – A dádiva de órgãos ou tecidos de menores com capacidade de entendimento e com manifestação de vontade, bem como de maiores incapazes por razões de anomalias psíquicas, apenas é admissível através de prévio suprimento judicial do consentimento.

6 – É interdito ao médico participar na colheita ou transplantação de órgãos ou tecidos humanos objecto de comercialização.

Artigo 61.º
(Colheita de órgãos ou tecidos em cadáveres humanos)

1 – A colheita de órgãos ou tecidos em cadáver só pode efectuar-se após o preenchimento de todas as regras científicas e normas legais estabelecidas.

2 – No caso previsto no número anterior, a verificação da morte não deve ser feita por médicos que integrem a equipa de transplante.

3 – Nos casos em que se preveja a colheita de órgãos para transplante é permitida a manutenção de meios artificiais de suporte de vida após o diagnóstico de morte do tronco cerebral.

CAPÍTULO V
Procriação medicamente assistida
Artigo 62.º
(Princípio geral)

É lícito o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida, como forma de tratamento da esterilidade. Estas técnicas deverão ser utilizadas como auxiliares da concretização de um projecto parental, o que implica a consideração não só do desejo dos candidatos a pais, mas sobretudo dos interesses do futuro ser humano que vier a ser concebido através da procriação medicamente assistida.

Artigo 63.º
(Casos em que o médico pode realizar procriação medicamente assistida)

1 – O médico só pode realizar a procriação medicamente assistida mediante diagnóstico de infertilidade ou excepcionalmente e por ponderadas razões estritamente médicas, decorrentes da prevenção da transmissão de doenças graves de origem genética ou outra.

2 – O médico só deverá propor a técnica de procriação medicamente assistida que se afigure mais adequada quando outros tratamentos não tenham sido bem sucedidos, não ofereçam perspectivas de êxito ou não se mostrem convenientes segundo o conhecimento médico.

3 – A execução das técnicas de procriação medicamente assistida deve ter sempre como referência ética que a fecundação de ovócitos não deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários, caso em que deve estar disponível a possibilidade de criopreservação para ulterior transferência.

4 – A execução de técnicas de procriação medicamente assistida deve procurar reduzir a incidência de gravidez múltipla.

5 – A maternidade de substituição só pode ser ponderada em situações da maior excepcionalidade.

6 – É aceitável o recurso a doação de gâmetas em casos específicos e a regulamentar.

Artigo 64.º
(Casos em que o médico não pode realizar procriação medicamente assistida)

1 – O médico não pode realizar a procriação medicamente assistida com qualquer dos objectivos seguintes:

a) Criar seres humanos geneticamente idênticos.

b) Criar embriões humanos para investigação.

c) Criar embriões com o fim de melhorar características, promover a escolha do sexo ou para originar híbridos ou quimeras.

2 – O médico não pode, no âmbito de um processo de procriação medicamente assistida, fazer a aplicação de diagnóstico genético pré-implantação em doenças multifactoriais em que o valor preditor do teste genético seja muito baixo.

3 – Exceptuam-se os casos em que haja elevado risco de doença genética grave e de mau prognóstico, para a qual não seja possível a detecção por diagnóstico pré-natal ou diagnóstico genético pré-implantação.

Artigo 65.º
(Esclarecimento do médico e consentimento dos doentes)

1 – O esclarecimento do médico aos doentes será feito nos termos do artigo 44.º, com as adaptações para a procriação medicamente assistida.

2 – O consentimento dos doentes deverá ser feito, por escrito, nos termos dos artigos 45.º, 46.º e 48.º, com as adaptações para a procriação medicamente assistida.

CAPÍTULO VI
Esterilização
Artigo 66.º
(Laqueação tubária e vasectomia)

1 – Os métodos de esterilização irreversível, laqueação tubária e vasectomia só são passíveis de ser permitidos a pedido do próprio e com o seu expresso e explícito consentimento pleno, após esclarecimentos detalhados sobre os riscos e sobre a irreversibilidade destes métodos.

2 – Excepto em situações urgentes com risco de vida, é desejável a existência de um período de reflexão entre esta prestação de esclarecimentos e a tomada final da decisão.

3 – É expressamente vedada aos médicos a prática de métodos de esterilização irreversíveis por solicitação do Estado ou outras partes terceiras, ou de qualquer outra forma sem consentimento plenamente livre e informado do doente, prestado nos termos do n.º 1 deste artigo.

4 – Em casos de menores ou incapazes, os métodos de esterilização irreversíveis só devem ser executados após pedido devidamente fundamentado no sentido de evitar graves riscos para a sua vida ou saúde dos seus filhos hipotéticos e, sempre, mediante prévio consentimento judicial.

CAPÍTULO VII
Intervenções no genoma humano
Artigo 67.º
(Testes genéticos)

A realização de testes genotípicos de diagnóstico pré-sintomático de doenças genéticas e de testes de susceptibilidade deve apenas ter lugar para fins médicos ou de investigação médica, visando o bem do indivíduo em que forem realizados, não podendo nunca servir propósitos de que decorra discriminação do indivíduo.

Artigo 68.º
(Terapêutica génica)

Qualquer intervenção sobre o genoma humano visando a sua modificação pode apenas ter lugar para fins médicos e, designadamente, terapêutica génica, estando excluída qualquer alteração em células germinais de que resulte modificação genética da descendência.

CAPÍTULO VIII
Transexualidade e disforia de género
Artigo 69.º
(Princípio geral)

É proibida a cirurgia para transição do género em pessoas morfologicamente normais, salvo nos casos clínicos adequadamente diagnosticados como transexualismo ou disforia do género.

Artigo 70.º
(Condições)

O doente sujeito a terapêutica cirúrgica deve ser de maior idade, civil e cognitivamente capaz.

Artigo 71.º
(Avaliação e acompanhamento)

1 – A avaliação pré-cirúrgica dos casos de transexualismo ou disforia de género e seu acompanhamento deve ter carácter multidisciplinar, sendo realizada por três médicos especialistas, um em Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética, um em Endocrinologia e um em Psiquiatria, com reconhecida experiência na matéria.

2 – O médico deve:

a) Acompanhar o doente antes da intervenção cirúrgica, num período não inferior a dois anos;

b) Estudar o doente com a finalidade de lhe poder ser diagnosticado transexualismo ou disforia de género;

c) Assegurar-se de que o doente está isento de distúrbios mentais permanentes.

Artigo 72.º
(Esclarecimento do médico e consentimento do doente)

1 – O esclarecimento do médico deve ser dado nos termos do artigo 44.º, devendo realçar-se que a cirurgia não garante a satisfação sexual, mas visa sobretudo contribuir para o equilíbrio psicológico do doente.

2 – O consentimento do doente, escrito e testemunhado, deve ser dado nos termos do artigo 45.º

CAPÍTULO IX
Os médicos e os indivíduos privados de liberdade
Artigo 73.º
(Princípio geral)

1 – O médico que preste, ainda que ocasionalmente, cuidados clínicos em instituições em que o doente esteja, por força da lei, privado da sua liberdade, tem o dever de respeitar sempre o interesse do doente e a integridade da sua pessoa, de acordo com os preceitos deontológicos.

2 – Sempre que possível, o médico deve impedir ou denunciar à Ordem qualquer acto lesivo da saúde física ou psíquica dos presos ou detidos, nomeadamente daqueles por cuja saúde é responsável.

Artigo 74.º
(Tortura)

1 – O médico não deve em circunstância alguma praticar, colaborar, consentir ou estar presente em actos de violência, tortura, ou quaisquer outras actuações cruéis, desumanas ou degradantes, seja qual for o crime cometido ou imputado ao preso ou detido e nomeadamente em estado de sítio, de guerra ou de conflito civil.

2 – O médico deve recusar ceder instalações, instrumentos ou fármacos, bem como recusar fornecer os seus conhecimentos científicos para permitir a prática da tortura.

3 – O médico deve denunciar junto da Ordem os actos referidos nos números anteriores.

Artigo 75.º
(Proibição de meios coercivos)

1 – O médico não pode impor coercivamente aos presos ou detidos, capazes de exercer a sua autonomia, exames médicos, tratamentos ou alimentação.

2 – Em caso de perigo para a vida ou grave perigo para a saúde de presos ou detidos, a recusa pelo doente dos actos referidos no n.º 1 deste artigo, deverá ser confirmada por médico estranho à instituição.

CAPÍTULO X
Experimentação humana
Artigo 76.º
(Princípios gerais)

A experimentação humana de novas técnicas ou ensaios clínicos de medicamentos só pode ser posta em prática em estreita observância dos seguintes princípios:

a) O bem do indivíduo deve prevalecer sobre os interesses da ciência e da comunidade;

b) O respeito pela integridade física e psíquica do indivíduo envolvido deve ser escrupulosamente reconhecido;

c) Os resultados obtidos na experimentação animal devem permitir concluir que os riscos para o indivíduo a submeter ao ensaio são proporcionais aos benefícios que para esse indivíduo se apresentam como previsíveis;

d) A realização da experimentação deve ser feita por médico cientificamente qualificado e com o objectivo de beneficiar o indivíduo ou outros que possam vir a beneficiar do ensaio realizado;

e) O médico que participe em qualquer experimentação tem o dever de comunicar à Ordem dos Médicos todos os conflitos de interesse que possam ser invocados, nomeadamente relacionamento actual ou passado com empresas produtoras de produtos farmacêuticos ou dispositivos médicos;

f) A investigação de novos fármacos deve sempre ser feita por comparação com terapêuticas eficazes conhecidas, só se aceitando a realização de experimentação contra placebo em casos excepcionais em que haja um largo consenso científico sobre a sua necessidade e com autorização da Ordem dos Médicos;

g) A todas as pessoas envolvidas na investigação deve ser assegurada a continuação de terapêutica eficaz após o fim da investigação.

Artigo 77.º
(Experimentação em indivíduo saudável)

A experimentação em indivíduos saudáveis deve revestir-se de especiais cuidados, evitando-se qualquer risco previsível para a sua integridade física e psíquica, e exigir um consentimento informado escrito.

Artigo 78.º
(Experimentação em casos especiais)

1 – Em caso de doentes incuráveis no estado actual dos conhecimentos médicos, inclusive na fase terminal da doença, o ensaio de novas terapêuticas médico-cirúrgicas deve apresentar razoáveis probabilidades de se revelar útil e ter em conta particularmente o bem-estar físico e moral do doente, sem lhe impor sofrimento, desconforto ou encargos desnecessários ou desproporcionados em face dos benefícios esperados.

2 – A experimentação em menores e incapazes é eticamente admissível, desde que directamente ditada pelo interesse dos mesmos.

3 – A experimentação em mulheres grávidas só é eticamente admissível quando não possa ser realizada noutras circunstâncias e tenha interesse directo para a mãe ou para o filho e desde que dela não possa resultar grave prejuízo para a saúde ou para a vida do outro.

4 – É proibida a experimentação em indivíduos privados de liberdade.

Artigo 79.º
(Ensaio de novos medicamentos)

O ensaio de novos medicamentos, especialmente com utilização do método da dupla ocultação, não pode privar deliberadamente o doente de tratamento reconhecidamente eficaz, cuja omissão faça correr riscos desproporcionados.

Artigo 80.º
(Garantias éticas)

Qualquer investigação de diagnóstico ou de terapêutica, médica ou cirúrgica, deve revestir-se de garantias éticas, apoiadas nas comissões de ética das instituições de saúde onde se realiza a investigação, e apreciadas, sempre que tal se justifique, pelo Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas da Ordem, como instância de recurso.

Artigo 81.º
(Esclarecimento do médico ao doente)

O esclarecimento por parte do médico investigador deve ser dado nos termos do artigo 44.º, com adaptações, e ainda com menção dos riscos, consequências e benefícios previsíveis, bem como dos métodos e objectivos prosseguidos.

Artigo 82.º
(Consentimento)

O consentimento deve ser dado nos termos do artigo 45.º e seguintes, com adaptações, e ainda:

a) Deve ser feito por escrito, de forma clara e em termos compreensíveis, devendo o médico disponibilizar-se para qualquer esclarecimento adicional que o doente entender necessário;

b) Deve salvaguardar a interrupção da experimentação a qualquer momento, sem qualquer contrapartida por parte do sujeito daquela e sem perda de direitos do doente a ser tratado da melhor forma.

Artigo 83.º
(Confidencialidade)

Todos aqueles que participem em experimentações ou, por qualquer modo, tiverem conhecimento da sua realização estão obrigados a não revelar quaisquer dados a que tenham acesso, excepto quando a manutenção do segredo ponha em risco a saúde do doente.

Artigo 84.º
(Independência do médico)

1 – O médico responsável pela experimentação ou ensaio deve ter total independência relativamente a qualquer entidade com interesse comercial na promoção de tratamentos ou técnicas.

2 – O médico responsável deve assegurar-se do rigor científico do ensaio e obter a garantia da publicação do universo dos resultados.

CAPÍTULO XI
Segredo médico
Artigo 85.º
(Princípio geral)

O segredo médico é condição essencial ao relacionamento médico-doente, assenta no interesse moral, social, profissional e ético, que pressupõe e permite uma base de verdade e de mútua confiança.

Artigo 86.º
(Âmbito do segredo médico)

1 – O segredo médico impõe-se em todas as circunstâncias dado que resulta de um direito inalienável de todos os doentes.

2 – O segredo abrange todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do médico no exercício da sua profissão ou por causa dela e compreende especialmente:

a) Os factos revelados directamente pela pessoa, por outrem a seu pedido ou por terceiro com quem tenha contactado durante a prestação de cuidados ou por causa dela;

b) Os factos apercebidos pelo médico, provenientes ou não da observação clínica do doente ou de terceiros;

c) Os factos resultantes do conhecimento dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica referentes ao doente;

d) Os factos comunicados por outro médico ou profissional de saúde, obrigado, quanto aos mesmos, a segredo.

3 – A obrigação de segredo médico existe, quer o serviço solicitado tenha ou não sido prestado e quer seja ou não remunerado.

4 – O segredo médico mantém-se após a morte do doente.

É expressamente proibido ao médico enviar doentes para fins de diagnóstico ou terapêutica a qualquer entidade não vinculada ao segredo médico.

Artigo 87.º
(Segredo médico em unidades de saúde públicas, sociais, cooperativas ou privadas)

1 – Os médicos que trabalhem em unidades de saúde estão obrigados, singular e colectivamente, a guardar segredo médico quanto às informações que constem do processo individual do doente.

2 – Compete aos médicos referidos no número anterior a identificação dos elementos dos respectivos processos clínicos que, não estando abrangidos pelo segredo médico, podem ser comunicados a entidades, mesmo hierárquicas, que os hajam solicitado.

3 – O médico é responsável por vedar às administrações das unidades de saúde, públicas ou privadas, bem como a quaisquer superiores hierárquicos não médicos, o conhecimento de elementos clínicos que se integrem no âmbito do segredo médico.

4 – Qualquer litígio suscitado entre médicos e as entidades não-médicas referidas nos dois números anteriores, em que seja invocado segredo médico, é decidido, no plano ético, pelo Presidente da Ordem.

5 – A guarda, o arquivo e a superintendência nos processos clínicos dos doentes, organizados pelas unidades de saúde, competem sempre aos médicos referidos nos dois primeiros números, quando se encontrem nos competentes serviços ou, fora deste caso, ao médico ou médicos que exercem funções de direcção clínica.

Artigo 88.º
(Escusa do segredo médico)

Excluem o dever de segredo médico:

a) O consentimento do doente ou, em caso de impedimento, do seu representante legal, quando a revelação não prejudique terceiras pessoas com interesse na manutenção do segredo médico;

b) O que for absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do médico ou do doente, não podendo em qualquer destes casos o médico revelar mais do que o necessário, nem o podendo fazer sem prévia autorização do Presidente da Ordem;

c) O que revele um nascimento ou um óbito;

d) As doenças de declaração obrigatória.

Artigo 89.º
(Precauções que não violam o segredo médico)

1 – A obrigação do segredo médico não impede que o médico tome as precauções necessárias, promova ou participe em medidas de defesa da saúde, indispensáveis à salvaguarda da vida e saúde de pessoas que possam contactar com o doente, nomeadamente dos membros da família e outros conviventes.

2 – Sendo a preservação da vida o valor fundamental, deverá o médico, em circunstância em que um doente tenha um comportamento que traga um risco real e significativo para a vida de outra pessoa, tentar persuadi-lo a modificar este comportamento, nomeadamente declarando que irá revelar a sua situação às pessoas interessadas. Se o doente não modificar o seu comportamento, apesar de advertido, o médico deve informar as pessoas em risco, caso as conheça, após comunicar ao doente que o vai fazer.

Artigo 90.º
(Manutenção do segredo médico em cobrança de honorários)

Na cobrança judicial ou extrajudicial de honorários, o médico não pode quebrar o segredo médico a que está vinculado, salvo o disposto no artigo 88.º, a) e b) deste Código.

Artigo 91.º
(Intimação judicial)

1 – O médico que nessa qualidade seja devidamente intimado como testemunha ou perito, deverá comparecer no tribunal, mas não poderá prestar declarações ou produzir depoimento sobre matéria de segredo médico, a não ser com o consentimento do doente, do seu representante legal se houver incapacidade para consentir, ou do Presidente da Ordem.

2 – Quando um médico alegue segredo médico para não prestar esclarecimentos pedidos por entidade pública, deve solicitar à Ordem declaração que ateste a natureza inviolável do segredo no pedido em causa.

Artigo 92.º
(Dados médicos informatizados)

1 – Os ficheiros automatizados, as bases e bancos de dados médicos, contendo informações extraídas de histórias clínicas sujeitas a segredo médico, devem ser equipados com sistemas, e utilizados com procedimentos de segurança, que impeçam a consulta, alteração ou destruição de dados por pessoa não autorizada a fazê-lo e que permitam detectar desvios de informação.

2 – Os ficheiros automatizados, as bases e bancos de dados médicos são da responsabilidade de um médico.

3 – Os responsáveis pelos ficheiros automatizados, as bases e bancos de dados médicos, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais nele registados, ficam obrigados a segredo médico, mesmo após o termo de funções.

4 – Os ficheiros automatizados, as bases e bancos de dados médicos não podem estar conectados com outro tipo de redes informáticas, a menos que possam garantir-se as condições de segurança referidas no número 1.

Artigo 93.º
(Médicos com responsabilidades directivas)

Os médicos com cargos de direcção em organismos prestadores de cuidados de saúde são responsáveis pela adequação às normas deontológicas dos serviços sob sua tutela, devendo nomeadamente:

a) Estabelecer o controlo necessário para que não seja vulnerável a intimidade e a confidencialidade dos doentes, sob a sua responsabilidade;

b) Tratar as informações a serem transmitidas aos meios de comunicação de um modo adequado e após obtenção do consentimento do doente ou do seu representante legal;

c) Exigir dos seus colaboradores médicos e não-médicos, e ainda dos estudantes das diversas áreas de saúde, a preservação da intimidade e da confidencialidade das informações clínicas, sujeitas a segredo médico.

CAPÍTULO XII
Telemedicina
Artigo 94.º
(Relação médico-doente)

1 – A telemedicina deve respeitar a relação médico-doente, mantendo a confiança mútua, a independência de opinião do médico, a autonomia do doente e a confidencialidade.

2 – Quando o doente pede uma consulta de orientação, por telemedicina, esta não deve substituir a relação médico-doente, e só será dada quando o médico tiver uma ideia clara e justificável da situação clínica.

3 – O médico que usa os meios da telemedicina e não observa presencialmente o doente, deve avaliar cuidadosamente a informação recebida, só podendo dar opiniões, recomendações ou tomar decisões médicas, se a qualidade da informação recebida for suficiente e relevante.

4 – Na utilização da telemedicina em situações de urgência, pode a opinião do médico teleconsultado ser baseada numa informação incompleta, mas nesta situação excepcional o médico assistente é responsável pela decisão a tomar.

Artigo 95.º
(Responsabilidade do médico)

1 – O médico tem liberdade e completa independência de decidir se utiliza ou recusa a telemedicina.

2 – O médico que pede a opinião de um colega é responsável pelo tratamento e pelas decisões e recomendações por ele dadas ao doente.

3 – O médico tele-consultado não é obrigado a emitir opinião se não tem conhecimentos ou suficiente informação do doente para emitir um parecer fundamentado, mas, caso a emita, é responsável por ela.

4 – Quanto aos colaboradores não médicos participantes na transmissão ou recepção de dados, o médico deve assegurar-se que a formação e a competência destes profissionais seja adequada, de modo a poder garantir uma utilização apropriada da telemedicina e a salvaguarda do segredo médico.

5 – O médico praticante da telemedicina esclarece o doente e obtém o consentimento, nos termos dos artigos 44.º a 48.º deste Código.

6 – O médico deve assegurar a aplicação das medidas de segurança estabelecidas para proteger a confidencialidade do doente.

Artigo 96.º
(Segurança)

1 – O médico só deve utilizar a telemedicina depois de se certificar que a equipa encarregada da sua realização garante um nível de qualidade suficientemente alto, que funcione de forma adequada e que cumpra com as normas estipuladas.

2 – O médico deve dispor de sistemas de suporte e utilizar controlos de qualidade e procedimentos de avaliação para vigiar a precisão e a qualidade da informação recebida e transmitida.

3 – O médico só deve utilizar a telemedicina depois de se certificar que o sistema utilizado e os seus utilizadores garantem o segredo médico, nomeadamente através da encriptação de nomes e outros dados identificadores.

Artigo 97.º
(História clínica)

1 – O médico que utilize a telemedicina deve registar na ficha clínica os métodos de identificação do doente, as informações pretendidas e as recebidas.

2 – O médico teleconsultado deve registar em ficha clínica as opiniões que emitiu e também a informação em que se baseou.

3 – Os métodos informatizados de arquivamento e transmissão dos dados do doente só devem ser utilizados quando se tenham tomado medidas suficientes para proteger a confidencialidade e a segurança da informação registada ou permutada.

CAPÍTULO XIII
Atestados médicos
Artigo 98.º
(Atestados médicos)

1 – Por solicitação livre, e sem qualquer coacção, do interessado ou seu legal representante, o médico tem o dever de atestar os estados de saúde ou doença que verificou durante a prestação do acto médico e os tenha registado.

2 – Os atestados médicos, certificados, relatórios ou declarações são documentos particulares, assinados pelo seu autor de forma reconhecível e só são emitidos a pedido do interessado, ou do seu representante legal, deles devendo constar a menção desse pedido.

3 – Os atestados de doença, além da correcta identificação do interessado, devem afirmar, sendo verdade, a existência de doença, a data do seu início, os impedimentos resultantes e o tempo provável de incapacidade que determine; não devem especificar o diagnóstico de que o doente sofre, salvo por solicitação expressa do doente, devendo o médico, nesse caso, fazer constar esse condicionalismo.

4 – Para prorrogação do prazo de incapacidade referido no número anterior, deve proceder-se à emissão de novo atestado médico.

5 – O médico não estando impedido de realizar actos médicos sobre si próprio ou familiares directos, igualmente não está impedido de atestar as suas observações e respectivas consequências.

6 – Dado o carácter pericial que a sociedade indevidamente atribui ao atestado médico, é recomendável evitar a sua emissão em situações em que possa ser alegado conflito de interesses.

Artigo 99.º
(Proibição de atestado de complacência)

1 – O médico não pode emitir atestados de complacência ou relatórios tendenciosos sobre o estado de saúde ou doença de qualquer pessoa mesmo que esta lho solicite.

2 – Todos os factos atestados, bem como as razões subjacentes às declarações produzidas, devem constar de um registo na posse do médico ou da instituição prestadora.

CAPÍTULO XIV
Processos clínicos
Artigo 100.º
(Processo clínico, ficha clínica e exames complementares)

1 – O médico, seja qual for o enquadramento da sua acção profissional, deve registar cuidadosamente os resultados que considere relevantes das observações clínicas dos doentes a seu cargo, conservando-os ao abrigo de qualquer indiscrição, de acordo com as normas do segredo médico.

2 – A ficha clínica é o registo dos dados clínicos do doente e tem como finalidade a memória futura e a comunicação entre os profissionais que tratam ou virão a tratar o doente. Deve, por isso, ser suficientemente clara e detalhada para cumprir a sua finalidade.

3 – O médico é o detentor da propriedade intelectual dos registos que elabora, sem prejuízo dos legítimos interesses dos doentes e da instituição à qual eventualmente preste os serviços clínicos a que correspondem tais registos.

4 – O doente tem direito a conhecer a informação registada no seu processo clínico, a qual lhe será transmitida, se requerida, pelo próprio médico assistente ou, no caso de instituição de saúde, por médico designado pelo doente para este efeito.

5 – Os exames complementares de diagnóstico e terapêutica deverão ser-lhe facultados quando este os solicite, aceitando-se no entanto que o material a fornecer seja constituído por cópias correspondentes aos elementos constantes do processo clínico.

Artigo 101.º
(Comunicações)

Sempre que o interesse do doente o exija, o médico deve comunicar, sem demora, a qualquer outro médico assistente, os elementos do processo clínico necessários à continuidade dos cuidados.

Artigo 102.º
(Publicações)

O médico pode servir-se do processo clínico para as suas publicações, mas deve proceder de modo a que não seja possível a identificação dos doentes, a menos que autorizado a tal pelos próprios doentes.

Artigo 103.º
(Destino dos processos clínicos em caso de transmissão de consultório)

1 – Quando o médico cesse a sua actividade profissional, os seus processos clínicos devem ser transmitidos ao médico que lhe suceda, salvaguardada a vontade dos doentes interessados em que a informação relevante seja transmitida a outro médico por si determinado.

2 – Na falta de médico que lhe suceda, deve o facto ser comunicado à Ordem, por quem receber o espólio do consultório ou pelos médicos que tenham conhecimento da situação, a qual determinará o destino a dar-lhes.

CAPÍTULO XV
Honorários
Artigo 104.º
(Princípio geral)

A prestação de cuidados médicos aos doentes, não constituindo uma actividade comercial, deve ser todavia compensada de modo a permitir a digna subsistência do médico, o que, no exercício clínico liberal, é garantido pelo recebimento dos respectivos honorários.

Artigo 105.º
(Fixação e cobrança de honorários)

1 – Na fixação de honorários deve o médico proceder com justo critério, atendendo à importância do serviço prestado, ao tempo habitualmente despendido, à sua diferenciação técnica, ao valor dos equipamentos utilizados, aos gastos em material, à capacidade económica do doente e aos usos e costumes da região.

2 – O médico deve expor, no seu local de exercício, o preçário indicativo dos actos médicos que pratica.

3 – A conta de honorários deve ser apresentada em papel ou suporte informático, enumerando e quantificando o valor dos serviços prestados, assinada pelo médico.

4 – O médico tem a liberdade de, sempre que o entender, prestar gratuitamente os seus cuidados.

5 – O disposto no presente artigo não se aplica ao médico que pratica os seus serviços profissionais em empresa prestadora de cuidados médicos, a qual apresenta directamente a conta de honorários.

Artigo 106.º
(Dever de gratuitidade)

1 – O médico deve tratar gratuitamente todos os colegas e os familiares que vivem a seu cargo, podendo todavia fazerse abonar dos gastos originados pelos actos médicos. Tal dever prolonga-se, quando adequado, em caso de morte do colega.

2 – O médico fica isento do dever de gratuitidade se existir entidade que cubra os custos da assistência prestada.

Artigo 107.º
(Chamadas ao domicílio)

O médico chamado ao domicílio do doente, tendo comparecido atempadamente, goza do direito a honorários mesmo que, por motivo alheio à sua vontade, não chegue a prestar assistência médica.

Artigo 108.º
(Intervenções cirúrgicas e em equipa)

1 – O cirurgião tem o direito a escolher os ajudantes e o anestesista.

2 – Nas intervenções cirúrgicas e em equipa, cada um dos médicos intervenientes deve procurar uma relação médico-doente personalizada e humana e cuidar de não ser apenas um mero executante de um acto técnico.

3 – Um médico pode recusar trabalhar numa equipa se, fundamentadamente, não tem confiança nas capacidades de outro elemento dessa equipa, ou se alguém dentro dela não mantém a necessária comunicação e cordialidade de relações.

4 – A presença do médico assistente numa intervenção cirúrgica, quando solicitada pelo doente ou pelos seus representantes, dá direito a honorários próprios que podem ser apresentados por nota colectiva e discriminada do cirurgião ou, de preferência, por nota autónoma.

5 – Na prestação de serviços médicos por equipa médica ou multiprofissional, os honorários podem ser reclamados por cada um dos intervenientes ou por nota colectiva e discriminada.

Artigo 109.º
(Comparticipações vedadas)

1 – O médico não pode praticar a dicotomia, assim como a sua oferta ou a sua exigência, nomeadamente o recebimento de quaisquer comissões ou gratificações por serviços prestados por outros, tais como, análises, radiografias, aplicações de fisioterapia, consultas ou operações, bem como pelo encaminhamento de doentes para quaisquer outros prestadores de cuidados de saúde;

2 – É todavia autorizada a partilha de honorários entre médicos, se corresponderem a efectivos serviços prestados a doentes, quer no âmbito da medicina de grupo, quer no âmbito de trabalho em equipa e nos termos do número 5 artigo anterior.

TÍTULO III
O médico ao serviço da comunidade
CAPÍTULO I
Responsabilidades do médico perante a comunidade
Artigo 110.º
(Princípio geral)

1 – Seja qual for o seu estatuto profissional, o médico deve, com pleno respeito pelos preceitos deontológicos, colaborar e apoiar as entidades prestadoras de cuidados de saúde, oficiais ou não.

2 – Pode porém cessar a sua acção em caso de grave violação dos direitos, liberdades e garantias individuais das pessoas que lhe estão confiadas, ou em caso de grave violação da dignidade, liberdade e independência da sua acção profissional.

3 – Pode também recusar-se a prestar essa colaboração usando o direito à objecção de consciência.

Artigo 111.º
(Responsabilidade)

1 – O médico deve ter em consideração as suas responsabilidades sociais no exercício do seu direito à independência na orientação dos cuidados e na escolha da terapêutica, assumindo uma atitude responsável perante os custos globais da saúde.

2 – O médico deve prestar os melhores cuidados possíveis no condicionalismo financeiro existente, mas não pode, em função deste, realizar ou prescrever o que considere deletério para o doente.

3 – Em caso algum pode o médico prescrever terapêuticas ou solicitar exames complementares de diagnóstico que não visem o interesse directo do doente a seu cargo.

4 – É indevida qualquer forma de prescrição que vise o interesse financeiro do próprio médico ou de terceiros.

5 – O médico tem obrigação de conhecer os custos das terapêuticas que prescreve, devendo optar pelos menos onerosos, desde que esta atitude não prejudique os interesses do doente.

Artigo 112.º
(Colaboração)

Sem prejuízo do segredo profissional, o médico deve colaborar com os serviços de segurança social e equiparados, passando a documentação necessária para que o doente possa reclamar os direitos que lhe cabem.

Artigo 113.º
(Saúde pública)

No exercício da sua profissão, deve o médico cooperar para a defesa da saúde pública, competindo-lhe designadamente:

a) Participar prontamente às respectivas autoridades de saúde os casos de doenças contagiosas de declaração obrigatória e os casos de doenças contagiosas graves ou de fácil difusão;

b) Prestar os seus serviços profissionais em caso de epidemia, sem abandonar os seus doentes, pondo-se à disposição das autoridades de saúde;

c) Prestar os seus serviços profissionais em caso de catástrofe, oferecendo os seus serviços às autoridades e actuando em coordenação com elas;

d) Cooperar com as autoridades na execução de medidas destinadas a evitar o uso ilícito de drogas;

e) Prestar informações, no que seja do seu conhecimento, à autoridade de saúde, sobre os factos e circunstâncias que possam respeitar à saúde pública e responder a qualquer inquérito quando por elas solicitado;

f) Obedecer às determinações das autoridades de saúde, sem prejuízo do cumprimento das normas deontológicas;

g) Desencadear os mecanismos adequados de ajuda a colegas vítimas de doença física ou psíquica quando estes não o reconheçam.

Artigo 114.º
(Declaração, verificação e certificado de óbito)

1 – A declaração de óbito deve ser confirmada pelo certificado de óbito, emitido gratuitamente pelo médico que o verifique, em suporte oficialmente aprovado.
2 – No certificado de óbito de pessoa a que o médico tenha prestado assistência médica, este deve indicar a doença causadora da morte, se dela tiver conhecimento. Para este efeito, considerar-se-á como assistente o médico que tenha preceituado ou dirigido o tratamento da doença até à morte, ou que tenha visitado ou dado consulta extra-hospitalar ao doente dentro da semana que tiver precedido o óbito. Exclui-se desta obrigação o médico que tenha prestado assistência trabalhando em instituições oficiais de saúde, as quais devem fornecer ao médico assistente ou à autoridade de saúde as informações necessárias.
3 – Havendo indícios de morte violenta ou se o médico ignorar a causa da morte, este deve comunicar imediatamente o facto às autoridades competentes, a fim de estas promoverem as diligências necessárias à averiguação da causa da morte e das circunstâncias em que esta tenha ocorrido.
4 – O médico deve participar à autoridade competente todos os casos de falecimento do indivíduo a quem não tenha prestado assistência médica nos termos do número 2 e cujo óbito tenha verificado.
5 – O médico deve participar à autoridade de saúde local os casos de óbito por doenças contagiosas consideradas graves ou de fácil difusão.
6 – O médico deve indicar no certificado de óbito a necessidade de inumação fora do prazo legal, nomeadamente de inumação urgente, em caso de epidemia ou doença contagiosa que assim o exija, ou de qualquer outra circunstância que interesse à saúde pública, devendo preceituar, em caso de ausência da respectiva autoridade de saúde, as condições de isolamento, transporte e inumação do cadáver.

Artigo 115.º
(Dever de isenção no exercício de actividade pública)

O médico que presta serviço em estabelecimento oficial de saúde não deve exercer essas funções em proveito da sua clínica particular ou de qualquer instituição de cuidados de saúde.

Artigo 116.º
(Dever de prevenir a Ordem)

É dever imperioso do médico comunicar à Ordem, de forma rigorosa, objectiva e confidencial, as atitudes fraudulentas ou de incompetência no exercício da Medicina de que tenha conhecimento, aceitando depor nos processos que, em consequência, venham a ser instaurados.

Artigo 117.º
(Prescrições)

1 – As prescrições de terapêuticas e de exames de diagnóstico devem obedecer, salvo disposição legal em contrário, aos seguintes requisitos mínimos:
a) Devem ser claras, redigidas de forma legível, conterem informação que permita o contacto imediato do médico em caso de dúvida e devem apresentar de forma inequívoca o nome e o número da cédula profissional do médico prescritor;
b) Ser redigidas em língua portuguesa, manuscritas a tinta com letra bem legível ou impressas de forma bem perceptível, sem abreviaturas não consagradas e devidamente datadas e validadas com assinatura manuscrita idêntica à registada na Ordem.
2 – As doses prescritas serão expressas de harmonia com o sistema decimal, devendo as doses menos habituais serem convenientemente assinaladas, designadamente através da simultânea menção por extenso e por algarismos, por sublinhado ou por qualquer outra forma julgada adequada.
3 – Sempre que haja necessidade de usar um fármaco prolongadamente, pode o médico calcular e prescrever o total de doses para o tempo a decorrer até à consulta seguinte.
4 – As receitas devem ser acompanhadas de instruções claras sobre a dose, o horário de administração e a finalidade dos fármacos prescritos.
5 – Os relatórios médicos, nomeadamente os referentes a exames especializados, devem ser redigidos com clareza e respeitar o estabelecido nas alíneas a) e b) do número 1 deste artigo.

CAPÍTULO II
O médico perito
Artigo 118.º
(Médico perito)

1 – O médico encarregado de funções de carácter pericial nos tribunais, como perito de parte ou como perito assessor do juiz, nas juntas médicas, como médico de companhias de seguros e como médico do trabalho, em serviços biométricos, ou em qualquer outra função pericial equiparável, deve submeter-se aos preceitos deste Código, nomeadamente em matéria de segredo profissional, não podendo aceitar que ponham em causa esses preceitos.
2 – Todo o médico tem o dever de prestar colaboração como perito quando para tal for solicitado ou indicado pela Ordem.

Artigo 119.º
(Independência)

O médico encarregado de funções periciais deve assumir uma atitude de total independência em face da entidade que o tiver mandatado e das pessoas que tiver de examinar, recusando-se a examinar quaisquer pessoas com quem tenha relações susceptíveis de influir na liberdade dos seus juízos, designadamente as mencionadas nos números 1 e 2 do artigo 120.º

Artigo 120.º
(Incompatibilidades)

1 – As funções de médico assistente e médico perito são incompatíveis, não devendo ser exercidas pela mesma pessoa.
2 – É vedado ao médico exercer funções periciais em casos em que estejam envolvidas pessoas a quem esteja ligado por casamento ou união de facto, parentesco ou afinidade.
3 – Estas incompatibilidades podem ser ultrapassadas por disposição expressa da lei ou por ordem da autoridade legítima para o efeito, devendo neste caso serem declaradas previamente à perícia, e devendo este facto ficar assinalado no relatório da perícia ou em documento equivalente.
4 – Não são consideradas perícias para efeitos do presente artigo a emissão de declarações ou atestados de doença ou saúde, bem como quaisquer declarações que resultem do normal exercício médico.

Artigo 121.º
(Limites)

1 – O médico encarregado de função pericial deve circunscrever a sua actuação à função que lhe tiver sido confiada.
2 – Se no decurso de exame descobrir afecção insuspeitada, um possível erro de diagnóstico ou um sintoma importante e útil à condução do tratamento que possa não ter sido tomado em consideração pelo médico assistente, deve comunicá-lo a este, pela via que considere mais adequada.

Artigo 122.º
(Deveres)

Antes de intervir, o médico perito deve certificar-se de que a pessoa a examinar tem conhecimento da sua qualidade, da missão de que está encarregado e da sua obrigação de comunicar à entidade mandante os resultados da mesma.

Artigo 123.º
(Consulta de processo clínico)

O médico perito só pode consultar o processo clínico do examinando após dar conhecimento a este e ao seu médico assistente, esclarecendo clara e inequivocamente a qualidade em que intervém.

Artigo 124.º
(Actuação)

1 – O médico perito deve utilizar sempre e só os meios de exame estritamente necessários à sua missão e não prejudiciais ao examinando, abstendo-se de realizar a perícia sempre que este se recuse formalmente a deixar-se examinar.
2 – Em exame pericial, o médico não pode utilizar métodos ou substâncias farmacodinâmicas que tenham como efeito privar o examinando da faculdade de livre determinação.
3 – O relatório final não deve incluir elementos alheios às questões postas pela entidade requerente.

Artigo 125.º
(Perícias colegiais)

1 – A perícia pode ser realizada por mais de um médico, em moldes colegiais ou interdisciplinares.
2 – Cada médico membro de uma perícia colegial está sujeito ao preceituado neste Código, individual e colectivamente.
3 – O médico, em perícias colegiais que integrem não médicos, deve assegurar uma clara separação de funções e preservar os princípios da ética médica, nomeadamente os expressos neste Código, restringindo o acesso a elementos clínicos e outros sujeitos a segredo médico apenas aos médicos.
4 – Caso não seja possível assegurar a separação de funções e respeito dos princípios da ética médica referidos no número anterior, os médicos devem recusar integrar estas perícias colegiais.
5 – A recusa mencionada no número anterior pode ser ultrapassada por disposição expressa da lei ou por ordem da autoridade legítima para o efeito, devendo neste caso ser expressa previamente à perícia, e devendo este facto ficar assinalado no relatório da perícia ou documento equivalente, nos termos do número 2 do artigo 3.º
6 – Se verificarem divergências entre os membros da perícia colegial quanto aos meios do exame, às conclusões ou a qualquer outro aspecto relevante para a perícia, este facto deve ficar registado no relatório da perícia ou em documento equivalente.

Artigo 126.º
(Proibição)

O médico perito não pode aproveitar-se dessa situação como forma directa ou indirecta de publicidade pessoal.

TÍTULO IV
Relações entre médicos
Artigo 127.º
(Princípio geral)

Todos os médicos têm direito a serem tratados com respeito e consideração pelos seus colegas, sem discriminação ou perseguição, nomeadamente com base no sexo, origens raciais ou nacionais, ou em opiniões políticas, ideológicas ou religiosas.

Artigo 128.º
(Solidariedade entre médicos)

1 – A solidariedade entre médicos constitui dever fundamental do médico e deve ser exercida com respeito mútuo e, bem assim, tendo em atenção os interesses dos doentes.
2 – O médico não deve fazer declarações desprimorosas ou falsas sobre a competência de um colega, as possibilidades dos tratamentos por este prescritos, os seus comportamentos ou outras características, e por essa forma tentar afectar a livre escolha do médico pelo doente ou a escolha de um empregador.
3 – O médico não deve fazer afirmações ou declarações públicas contra colegas.
4 – Não constitui falta ao dever de solidariedade, mas sim um dever ético, o facto de um médico comunicar à Ordem, de forma objectiva e com a devida discrição, as infracções dos seus colegas contra as regras da técnica e ética médicas.

Artigo 129.º
(Conflitos ou diferenças de opinião)

1 – Um médico não deve criticar, perante o doente ou terceiros, a decisão de outro médico relativamente a um doente.
2 – Se um médico considera que o diagnóstico, tratamento ou qualquer decisão técnica de um colega é incorrecta, tem a obrigação de lhe dar a conhecer directamente a sua opinião e discutir com ele o assunto.
3 – Os conflitos ou as diferenças de opinião relativos à conduta entre médicos que não possam ser resolvidos devem ser comunicados à Ordem dos Médicos.
4 – Os deveres consagrados neste artigo subordinam-se sempre às necessidades de salvaguardar a vida e a integridade física do doente.

Artigo 130.º
(Dever de auxílio)

1 – Em benefício dos seus doentes, os médicos têm o dever de partilhar os seus conhecimentos científicos, sem qualquer reserva.
2 – Se um médico pede auxílio para o tratamento de um doente, os colegas devem sempre prestá-lo.

Artigo 131.º
(Pedido de segunda opinião)

1 – O médico deve encorajar o doente a pedir uma segunda opinião caso o entenda útil ou se aperceba de que é essa a vontade do doente.
2 – Neste caso, o médico deve fornecer todos os elementos relevantes que possam ser utilizados por outros médicos.

Artigo 132.º
(Interferência com médico assistente)

1 – O médico não deverá interferir na assistência que esteja a ser prestada por outro colega a um doente.
2 – Não se considera haver interferência nas situações de urgência ou de consulta livre por parte do doente a outro médico; todavia este tem a obrigação de advertir o paciente do prejuízo de existir uma assistência médica múltipla, não consensual.
3 – Sempre que um médico tiver, ocasionalmente, acesso a informação clínica de que discorde de forma relevante e que tenha potenciais consequências para o doente, não se considera haver interferência constituindo um dever ético comunicar a sua opinião ao médico assistente do doente.

Artigo 133.º
(Médico suspenso ou dispensado)

1 – Nenhum médico pode ser arbitrária e injustamente suspenso ou dispensado das suas funções em organismo público ou privado e, consequentemente, desligado do respectivo serviço. Tal situação deve ser por si comunicada imediatamente à Ordem.
2 – O médico candidato a substituir colega suspenso ou dispensado deve requerer à Ordem autorização para celebrar o contrato definitivo para o lugar que vagou.
3 – Considera-se aprovado o pedido de autorização que não for respondido no prazo de noventa dias.
4 – O médico substituto pode celebrar, entretanto, um contrato provisório, cuja cópia deverá remeter à Ordem, onde fique expressa a condição de o ocupar até obter a autorização a que se referem os números 2 e 3 deste artigo.

Artigo 134.º
(Médico incapacitado)

1 – Se um médico se tornar incapaz de tratar os seus doentes, por doença ou qualquer outra razão, é dever dos colegas tomarem as medidas necessárias para que de tal circunstância não advenha perigo ou dano para os doentes.
2 – Inicialmente devem os colegas discutir a situação com o médico incapaz e oferecer a sua ajuda para a resolver.
3 – Se estas medidas não resultarem, deve ser informada a Ordem, designadamente para efeitos do artigo 12.º do Estatuto da Ordem dos Médicos.

Artigo 135.º
(Exercício em equipa)

1 – O exercício da medicina em equipa, seja ela integrada por médicos das mesmas ou diferentes especialidades, subespecialidades ou competências, não prejudica a responsabilidade técnica própria da qualificação, nem a responsabilidade deontológica, de cada médico.
2 – A hierarquia na equipa assistencial deve ser respeitada, mas não pode constituir instrumento de domínio ou exaltação pessoal.
3 – O médico que detiver a direcção da equipa deverá aceitar a decisão de abstenção de actuar quando invocada por algum dos seus elementos que opuser uma objecção científica fundamentada ou de consciência.
4 – O médico que detiver a direcção da equipa providenciará para que exista um ambiente de exigência ética e de tolerância que proporcione a diversidade de opiniões profissionais, podendo, contudo, definir padrões técnicos de actuação, sem prejuízo do disposto no número anterior.

Artigo 136.º
(Médico como superior hierárquico ou formador)

1 – O médico como superior hierárquico ou formador, sem prejuízo das suas obrigações de controlo do trabalho dos médicos seus subordinados ou seus formandos, deve actuar perante condutas incorrectas que estes tenham no âmbito do procedimento médico para com o doente, na orientação do diagnóstico e da terapêutica, nas relações com os familiares dos doentes ou com quaisquer profissionais de Saúde. Assim fica obrigado a:
a) Chamar prontamente esse seu subordinado e confrontá-lo discretamente com o erro cometido ou as dúvidas que possui e o possam levar a concluir tal, em ordem a corrigir os erros;
b) Proceder à correcção pronta desse erro, nas situações que ponham em risco a vida do doente ou a saúde do doente, e entrar em contacto com o subordinado responsável, tão rapidamente quanto possível, para o informar da situação ocorrida.
2 – Os deveres de respeito e de igualdade devem também ser assumidos pelo superior hierárquico ou formador para com o formando.

Artigo 137.º
(Publicações ou comunicações)

1 – Nas publicações ou outras comunicações, o médico não deve anunciar qualquer resultado como sendo seu mérito exclusivo se o trabalho for desenvolvido por uma equipa, com a utilização dos conhecimentos de outros especialistas.
2 – É vedado ao médico ser autor ou co-autor de artigo ou comunicação para o qual não tenha contribuído directamente ou com o qual não concorde.

SECÇÃO I
Exames e terapêuticas especializados
Artigo 138.º
(Dever de recomendação)

1 – Quando o doente necessitar de exame ou terapêutica especializados que o médico assistente considere ultrapassarem a sua competência deverá este, com o acordo do doente e com a celeridade possível, sugerir-lhe o colega que julgue competente para o caso, devendo pôr este ao corrente dos dados úteis.
2 – A fim de assegurar a continuidade dos cuidados médicos, o médico consultor deve reenviar, logo que possível, o doente ao médico assistente, remetendo, também, os resultados e as conclusões do seu exame.

Artigo 139.º
(Dever de informar o médico assistente)

Se o doente consultou por sua iniciativa um outro médico, deve este, sempre que o considere útil ao doente ou este expressamente o solicite, fornecer ao médico assistente, por escrito, as conclusões do seu exame.

Artigo 140.º
(Princípio geral)

1 – O médico assistente que envie um doente a um hospital deve transmitir aos respectivos serviços médicos os elementos necessários à continuidade dos cuidados clínicos.
2 – Os médicos responsáveis pelo doente no decurso do seu internamento hospitalar devem prestar ao médico assistente todas as informações úteis acerca do respectivo caso clínico, através de relatório escrito.

TÍTULO V
Relações dos médicos com terceiros
CAPÍTULO I
Relações com estabelecimentos de cuidados médicos
Artigo 141.º
(Regras gerais)

1 – O exercício da Medicina em qualquer organização, instituição ou entidade pública, cooperativa, social ou privada, deve ser objecto de contrato.
2 – O estatuto profissional do médico nas organizações, instituições ou entidades previstas no número anterior não pode sobrepor-se às normas da deontologia profissional, nem aos deveres que para ele resultam da relação médico doente.

Artigo 142.º
(Liberdade de escolha dos meios de diagnóstico e tratamento)

1 – A liberdade de escolha pelo médico dos meios de diagnóstico e tratamento não pode ser limitada por disposição estatutária, contratual ou regulamentar, ou por imposição da entidade de prestação de cuidados médicos.
2 – O disposto no número anterior não impede o controlo médico hierarquizado do acto médico, o qual deve realizar-se sempre no interesse do doente.
3 – O disposto anteriormente não obsta à existência de orientações, normas e protocolos respeitantes à utilização de meios complementares de diagnóstico e tratamento, desde de que aprovados por uma Direcção Clínica, após ampla discussão e consenso com os médicos abrangidos.

Artigo 143.º
(Estruturas médicas)

1 – Na regulamentação de uma entidade prestadora de cuidados médicos rejeita-se qualquer cláusula que, para apreciação de litígios de ordem deontológica entre médicos, reconheça competência a não médicos.
2 – O estatuto, contrato ou documento regulador das relações entre médicos e instituições, deve prever que o médico manterá supremacia hierárquica técnica sobre o pessoal colaborador em tudo o que respeite à assistência médica.

Artigo 144.º
(Utilização de instalações ou material alheio)

O médico que utilize instalações ou material alheio, para os quais não haja taxa de utilização paga por utente ou por terceiro, pode pagar ao titular uma contrapartida.

CAPÍTULO II
Relações com outros profissionais de saúde
Artigo 145.º
(Princípio geral)

O médico, nas suas relações com os outros profissionais de saúde, deve respeitar a sua independência e dignidade.

Artigo 146.º
(Dever de cooperação)

1 – O médico, nas relações com os seus colaboradores não médicos, deve observar uma conduta de perfeita cooperação, de mútuo respeito e confiança, incutindo nos seus doentes idênticas atitudes.
2 – O médico deve assumir a responsabilidade dos actos praticados pelos seus auxiliares desde que ajam no exacto cumprimento das suas directivas, nos termos do artigo 34.º

Artigo 147.º
(Relações com outros profissionais de saúde)

1 – A profissão médica deve ser sinérgica com todas as profissões da área da saúde na procura dos melhores resultados para o doente, pelo que é recomendável a relação franca e leal, respeitando os limites de actuação de cada uma.
2 – É vedado ao médico delegar actos médicos noutros profissionais de saúde, sem prévio conhecimento e autorização da Ordem dos Médicos, salvaguardando situações de risco iminente de vida, nomeadamente, no caso dos farmacêuticos, a escolha de fármaco ou a alteração da receita médica.
3 – Sem cercear o direito de esclarecimento, é proibido ao médico exercer influência sobre os doentes para privilegiar determinadas farmácias, clínicas, hospitais ou outros intervenientes na prestação de cuidados de saúde.
4 – Deve o médico, sempre que tome conhecimento de factos que denunciem improbidade ou incompetência de profissionais de saúde, comunicá-los à Ordem ou entidade similar respectiva.

Artigo 148.º
(Actos proibidos)

1 – É proibida a venda pelo médico de medicamentos ou outros artigos ou produtos médicos aos seus doentes.
2 – Para além do fornecimento gratuito de amostras com fins científicos ou de solidariedade, exceptuam-se os casos de socorros urgentes e ainda os produtos de contraste ou outros medicamentos necessários à execução de exames radiológicos, laboratoriais ou outros.

Artigo 149.º
(Incompatibilidade)

1 – É proibido o exercício cumulativo das profissões de médico e de farmacêutico, ainda que por interposta pessoa ou entidade.
2 – É proibido o exercício cumulativo das profissões de médico e de enfermeiro.

Artigo 150.º
(Respeito pela competência)

O médico não deve incumbir quaisquer profissionais de saúde de serviços ou tarefas que excedam os limites da sua competência.

Artigo 151.º
(Colaboradores dos médicos)

O médico não deve permitir que os seus colaboradores não-médicos prestem aos doentes serviços da sua competência que não tenha prescrito.

Artigo 152.º
(Encobrimento do exercício ilegal da Medicina)

1 – O médico não pode encobrir, ainda que indirectamente, qualquer forma de exercício ilegal da Medicina.
2 – No quadro das relações profissionais com os seus colaboradores não-médicos, deve o médico abster-se de iniciativas que possam levar estes a exercerem ilegalmente a Medicina.

CAPÍTULO III
Relações com a indústria farmacêutica ou outras
Artigo 153.º
(Princípios gerais)

1 – O médico não pode solicitar ou aceitar ofertas de qualquer natureza por parte da indústria farmacêutica ou outros fornecedores de material clínico, salvo nos casos especificados no artigo 154.º
2 – É considerado particularmente grave do ponto de vista ético qualquer forma de retribuição como contrapartida da prescrição.
3 – Nas apresentações científicas, na actividade docente e na comunicação de resultados de investigação deve o médico revelar os seus interesses e outras relações com a indústria farmacêutica e outros fornecedores de dispositivos médicos.

Artigo 154.º
(Excepções)

1 – Exceptuam-se as ofertas, por parte da indústria farmacêutica ou outros fornecedores de material clínico, que tenham valor intrínseco insignificante ou as de livros de referência ou qualquer outra informação ou material com fins especificamente formativos, desde que estejam relacionadas directamente com a prestação de cuidados médicos ou envolvam benefício directo para os doentes.
2 – Exceptuam-se ainda as ofertas, por parte da indústria farmacêutica ou outros fornecedores de material clínico:
a) De bolsas de estudo ou prémios científicos atribuídos publicamente por um júri independente de reconhecida idoneidade;
b) De fundos que possibilitem a participação dos médicos em estágios, congressos ou outras reuniões científicas, que contribuam para o aperfeiçoamento profissional dos médicos, desde que acreditados pela Ordem, e mediante a apresentação de comprovativo documental idóneo da participação no evento;
c) De fundos que possibilitem a organização por parte dos médicos de congressos, simpósios e outras acções de formação científica que contribuam reconhecidamente para o aperfeiçoamento profissional dos médicos, desde que acreditados pela Ordem.
3 – Para os efeitos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a Ordem é a única entidade que procede à avaliação da idoneidade científica dos eventos.
4 – A apreciação da idoneidade científica dos eventos é definida em Regulamento próprio.

TÍTULO VI
Responsabilidade disciplinar
Artigo 155.º
(Infracções cometidas pelo médico)

1 – A infracção dos deveres constantes do Estatuto da Ordem ou das normas do Código Deontológico constitui o infractor em responsabilidade disciplinar, sem prejuízo do disposto no número 2 do artigo 2.º

2 – O exercício da jurisdição disciplinar da Ordem, as informações, o procedimento e as sanções disciplinares, bem como os respectivos efeitos, regem-se pelo Estatuto Disciplinar dos Médicos.

TÍTULO VII
Disposições finais e transitórias
Artigo 156.º
(Dúvidas e omissões)

As dúvidas e omissões relativas a este Código são esclarecidas pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem, ouvido o Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas.

Artigo 157.º
(Revogação e entrada em vigor)

1 – É revogado o Código Deontológico aprovado pelo Plenário dos Conselhos Regionais de 23 de Fevereiro de 1985, publicado na Revista da Ordem dos Médicos número 3/85, bem como todas as normas deontológicas que conflituem com as do presente Código, nomeadamente o Regulamento Geral sobre Publicidade, Divulgação e Expressão de Actividade Médica e o Regulamento de Conduta entre Médicos.

2 – O presente Código Deontológico entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação no Diário da República.

26 de Setembro de 2008. – O Presidente, Pedro Manuel Mendes Henriques Nunes.