Decreto-Lei n.º 202/96 de 23 de Outubro
O n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 9/89, de 2 de Maio – Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência –, define pessoa com deficiência «aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica susceptível de provocar restrições da capacidade, pode estar considerada em situações de desvantagem para o exercício de actividades consideradas normais, tendo em conta a idade, o sexo e os factores sócio-culturais dominantes».
Face à inexistência de normas específicas para a avaliação de incapacidade na perspectiva desta lei, tem sido prática corrente o recurso à Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, perspectivada para a avaliação do dano em vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais, de forma a possibilitar alguma uniformização valorativa a nível nacional.
Todavia, no âmbito da avaliação de incapacidade de pessoas com deficiência, mostra-se necessário proceder à actualização dos procedimentos adoptados, nomeadamente de forma a melhor adequar a utilização da actual TNI ao disposto na Lei n.º 9/89, de 2 de Maio. Nesta conformidade:
Considerando o conceito de pessoa com deficiência, enunciado no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 9/89, de 2 de Maio – Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência;
Considerando que os benefícios fiscais e parafiscais previstos na lei para pessoas com deficiência são atribuídos com o intuito de realizar justiça social;
Considerando a necessidade não só de explicitar a competência para avaliação de incapacidade nas pessoas com deficiência como também, enquanto não for instituída uma tabela especifica para este fim, criar normas de adaptação da citada TNI;
Considerando ainda a experiência adquirida pelas juntas médicas de avaliação de incapacidade de pessoas com deficiência nomeadas pelo Ministro da Saúde:
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito
O presente diploma estabelece o regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2.º da Lei n.º 9/89, de 2 de Maio, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade.
Artigo 2.º
Competências e composição
1 – Sem prejuízo das competências específicas das juntas de saúde dos ramos das Forças Armadas e da Polícia de Segurança Pública e das juntas médicas da Guarda Nacional Republicana, a avaliação de incapacidade compete a juntas médicas para o efeito constituídas.
2 – As juntas médicas são constituídas nas sub-regiões de saúde, por despacho do delegado regional de saúde, e têm a seguinte composição:
a) O delegado sub-regional de saúde, que presidirá;
b) Dois vogais efectivos e dois vogais suplentes, designados pelo delegado regional de saúde de entre os delegados de saúde ou seus adjuntos.
3 – Nas sub-regiões de saúde de maior densidade populacional poderão ser constituídas mais de uma junta médica, por despacho do delegado regional de saúde, sob proposta do adjunto do delegado regional de saúde.
4 – O 1.º vogal efectivo substitui o presidente nas suas faltas e impedimentos.
Artigo 3.º
Procedimentos
1 – Os requerimentos de avaliação de incapacidade são dirigidos ao adjunto do delegado regional de saúde e entregues ao delegado concelhio de saúde da residência habitual dos interessados, devendo ser acompanhados de relatório médico e dos meios auxiliares de diagnóstico complementares que os fundamentam.
2 – O delegado de saúde deve instruir o requerimento com os elementos eventualmente disponíveis e necessários e enviá-la ao adjunto do delegado regional de saúde.
3 – O adjunto do delegado regional de saúde deverá convocar a junta médica e notificar o requerente da data do exame, a realizar no prazo de 60 dias a contar da data da entrega do requerimento.
Artigo 4.º
Avaliação de incapacidade
1 – A avaliação de incapacidade é calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, observando-se as instruções gerais constantes do anexo I a este diploma, bem como, em tudo o que não contrarie, as instruções específicas anexas àquela Tabela.
2 – Findo o exame, o presidente da junta médica passará o respectivo atestado médico de incapacidade, o qual obedecerá ao modelo constante do anexo II a este diploma.
3 – Quando o grau de incapacidade arbitrado for susceptível de variação futura, a junta deve indicar a data de novo exame, levando em consideração o previsto na Tabela Nacional de Incapacidades ou na fundamentação clínica que lhe tenha sido presente.
4 – Sempre que a lei faça depender a atribuição de benefícios de determinados requisitos específicos, o atestado médico de incapacidade deve indicar o fim a que se destina e respectivos efeitos e condições legais, bem como a natureza das deficiências e os condicionalismos relevantes para a concessão do benefício.
5 – Sempre que a junta médica entender ser necessário esclarecimento adicional no âmbito de especialidade médico-cirúrgica, deverá o presidente solicitar exames complementares, técnicos ou de especialidade, cujo relatório deve ser apresentado no prazo de 30 dias.
6 – Os atestados de incapacidade podem ser utilizados para todos os fins legalmente previstos, adquirindo uma função multiuso, devendo todas as entidades públicas ou privadas, perante quem sejam exibidos, devolvê-los aos interessados ou seus representantes após anotação de conformidade com o original, aposta em fotocópia simples.
Artigo 5.º
Recursos
1 – Da avaliação de incapacidade cabe recurso hierárquico necessário para o director-geral da Saúde, a apresentar ao delegado regional de saúde no prazo de 30 dias.
2 – O director-geral da Saúde poderá determinar a reavaliação por nova junta médica, constituída pelo delegado regional de saúde da área da residência habitual do interessado, que presidirá, e por dois vogais que não tenham participado na avaliação impugnada, podendo um deles ser proposto pelo interessado.
3 – Da homologação da segunda avaliação, pelo director-geral, cabe recurso contencioso, nos termos gerais.
Artigo 6.º
Comissão de normalização
Compete ao director-geral da Saúde nomear uma comissão de normalização e acompanhamento das avaliações de incapacidade, bem como homologar as propostas de uniformização de metodologias e práticas de avaliação que a mesma lhe submeta.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
1 – O presente diploma entra em vigor no último dia do mês seguinte ao da sua publicação.
2 – O presente diploma aplica-se, com as devidas adaptações, aos processos em curso.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de Agosto de 1996. – António Manuel de Oliveira Guterres – António Luciano Pacheco de Sousa Franco – Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina.
Promulgado em 4 de Outubro de 1996.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 10 de Outubro de 1996.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.
ANEXO I
Instruções gerais
1 – As instruções agora estabelecidas constituem princípios gerais que devem ser seguidos aquando da utilização da Tabela Nacional de Incapacidades para a avaliação de incapacidade em deficientes civis.
2 – As disfunções (congénitas ou adquiridas) de que resultem incapacidades permanentes são designadas em números, subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos.
3 – A cada situação de disfunção corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da deficiência funcional, sendo a disfunção total expressa pela unidade.
4 – Os coeficientes ou intervalos de variação correspondem a percentagens de desvalorização funcional, que constituem o elemento base para o cálculo da incapacidade total.
5 – Na determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas gerais, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número, desde que não contraditórias destas:
a. No caso das lesões múltiplas, o coeficiente global será obtido pela soma dos coeficientes parciais, segundo o princípio da capacidade restante, colocando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade integral e os demais à capacidade restante, fazendo-se a dedução sucessiva do coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo;
b. Os coeficientes previstos têm um valor indicativo, que a junta médica ajustará em cada caso concreto em função da extensão e gravidade do défice funcional e tendo ainda em atenção todos os elementos susceptíveis de influenciarem tal gravidade, nomeadamente o estado clínico, a idade, a indispensabilidade da função relativamente às actividades consideradas normais, bem como a necessidade de cuidados médicos de forma continuada;
c. Excepcionalmente, a junta médica pode afastar-se dos coeficientes previstos na Tabela, para menos ou para mais (e nesta situação mesmo para os coeficientes iguais a 0,00), expondo claramente e fundamentando as razões que a tal conduzem e indicando o sentido e a medida do desvio em relação ao coeficiente em princípio aplicável à situação concreta em avaliação;
d. As incapacidades que derivem de deficiências não previstas na Tabela devem ser avaliadas por coeficiente relativo à deficiência responsável por disfunção análoga ou equivalente;
e. Sempre que a disfunção possa ser atenuada, no todo ou em parte, pela aplicação de meios de correcção ou compensação (próteses, ortóteses ou outros), o coeficiente de capacidade arbitrado deve ser correspondente à disfunção residual após aplicação de tais meios, sem limites máximos de redução dos coeficientes previstos na Tabela;
f. Sempre que necessário para um diagnóstico diferencial seguro, devem ser solicitados os exames complementares, técnicos ou de especialidade mais actualizados e adequados para uma avaliação rigorosa do défice funcional em apreciação;
g. O valor final global da incapacidade será apresentado em percentagem e arredondado (por excesso ou por defeito) para a unidade mais próxima.