Resolução do Conselho de Ministros n.º 59/2002

Resolução do Conselho de Ministros n.º 59/2002

A protecção social das pessoas com elevado grau de dependência constitui hoje, nas sociedades modernas, uma prioridade cuja concretização passa pelo desenvolvimento de uma política que integra duas dimensões indissociáveis, a da solidariedade e segurança social e a da saúde.
Materializa-se, fundamentalmente, no conceito de cuidados continuados integrados, assente numa rede de respostas organizadas de saúde e de apoio social.
A Organização Mundial de Saúde estima que nos próximos 20 anos aumentem em cerca de 300% as necessidades em cuidados de saúde da população mais idosa, paralelamente a um aumento acentuado da prevalência de doenças não transmissíveis de evolução prolongada. Surgirão, assim, novas necessidades de saúde e de apoio social, principalmente de longa duração. Estas mudanças reclamam das políticas de saúde e de solidariedade a adopção de uma abordagem que privilegie a satisfação das crescentes carências nesta matéria.
Enquanto objectivo da coesão social e do progresso socioeconómico, os cuidados de longa duração ou cuidados continuados integrados têm vindo a ganhar um peso cada vez maior nas agendas políticas dos governos de todos os países da União Europeia, onde as questões relacionadas com a acessibilidade, a qualidade e a sustentabilidade financeira dos serviços prestados naquela área assumem uma relevância fundamental.
O Comité de Protecção Social da União Europeia, que vem orientando e preparando a agenda do Conselho Europeu nesta matéria, tem considerado como objectivos gerais da conceptualização e desenvolvimento dos futuros modelos de intervenção a solidariedade, a equidade e a universalidade dos cuidados a prestar.
Em Portugal, a progressiva consciencialização da necessidade de políticas intersectoriais que respondam, de facto, às necessidades das pessoas e famílias conduziu ao desenvolvimento de programas e medidas, baseados em metodologias de intervenção integrada, que exigem abordagens transversais por parte das áreas da saúde e da acção social, orientadas para as pessoas em situação de dependência, como forma de ultrapassar a intervenção sectorizada destes departamentos governamentais.
É, designadamente, o caso do Programa de Apoio Integrado a Idosos, através do qual foram desenvolvidos projectos inovadores dirigidos à população idosa e, simultaneamente, dinamizadores de parcerias locais, que mostrou que os ganhos mais significativos se deveram ao alargamento do apoio domiciliário às vinte e quatro horas, incluindo os fins-de-semana, à melhoria da qualidade dos cuidados de saúde e de apoio social prestados, ao apoio e formação das famílias, ao investimento na criação de internamento temporário com reabilitação, à facilidade do acesso a ajudas técnicas, à melhor articulação com o processo de preparação de altas hospitalares e institucionais e, ainda, ao incentivo à eliminação de barreiras arquitectónicas nos domicílios das pessoas idosas abrangidas.
No mesmo sentido, o despacho conjunto n.º 407/98, de 15 de Maio, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 138, de 18 de Junho de 1998, dos Ministros da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade, demonstrou ser possível um caminho de experimentação, no terreno, de formas organizativas de prestação de cuidados continuados integrados cuja avaliação, entretanto realizada, permite passar para uma fase mais avançada na conceptualização da organização e da prestação daqueles cuidados.
Na sequência da filosofia e princípios subjacentes à intervenção preconizada naquele despacho conjunto, foi constituído um grupo de trabalho com representantes dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade que elaborou um relatório para o desenvolvimento de um sistema de cuidados continuados integrados, definindo as principais linhas de acção a adoptar na organização e funcionamento de respostas intersectoriais que garantam a intermediação entre os cuidados de base comunitários e os cuidados hospitalares e interligando e complementando as redes oficiais de prestação de cuidados de saúde e de apoio social.
Acresce que a adequação e criação destes cuidados conduz não só à revisão dos paradigmas habitualmente usados na abordagem curativa dos cuidados de saúde, como também nos utilizados na intervenção de apoio social.
Neste contexto, pretende-se, agora, garantir uma protecção social integrada, financeiramente sustentável, com base numa tipologia de respostas mais bem adaptadas às necessidades das pessoas em situação de dependência, ou em risco de nela entrarem, estruturada em redes locais que envolvam transversalmente estruturas públicas e privadas e que hão-de impulsionar a organização, a nível regional e nacional, de redes cada vez mais alargadas.
Esta protecção social exige uma continuidade de cuidados em diferentes localizações geográficas, assegurados por profissionais com formação diferenciada e ajustados aos problemas identificados, por forma a maximizar a sua eficiência e eficácia e a facilitar o respectivo acesso aos que deles necessitam.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição e tendo em conta o carácter de urgência na concretização da rede nacional de cuidados continuados integrados, o Governo resolve:
1 – Definir a rede nacional de cuidados continuados integrados, designada por Rede Mais, que se destina a desenvolver respostas integradas de cuidados de saúde e de apoio social potenciadoras de mais autonomia, mais integração social e mais saúde para as pessoas em situação de dependência.
2 – A Rede Mais constitui-se como um conjunto de recursos, integrando entidades públicas e privadas que se dediquem à prestação de cuidados às pessoas em risco de dependência ou com dependência instalada que necessitem, em simultâneo, de cuidados de saúde e de apoio social, independentemente do grupo etário a que pertençam e da causa ou causas da dependência.
3 – São objectivos gerais da Rede Mais:
3.1 – Melhorar as condições de vida e de bem-estar das pessoas em situação de dependência, garantindo o acesso aos cuidados continuados integrados nas áreas da saúde e do apoio social;
3.2 – Promover a autonomia das pessoas em situação de dependência ou em risco de nela entrarem;
3.3 – Providenciar a permanência, no seu domicílio, das pessoas com perda de autonomia ou em risco de a perder, garantindo meios de apoio domiciliário;
3.4 – Estimular a criação de novas respostas integradas, tornando-as mais adequadas às reais necessidades das pessoas em situação de dependência;
3.5 – Garantir condições de acompanhamento e de internamento tecnicamente adequados e condignos para pessoas em comprovada situação de dependência;
3.6 – Melhorar continuamente a qualidade dos serviços e dos equipamentos;
3.7 – Assegurar progressivamente a cobertura, ao nível nacional, das necessidades das pessoas em situação de dependência, atenuando as disparidades regionais e prevenindo lacunas em matéria de serviços e de equipamentos afectos aos cuidados continuados integrados.
4 – A organização e o funcionamento da Rede Mais devem observar os seguintes princípios fundamentais:
4.1 – Respeito pela dignidade da pessoa humana em situação de dependência, designadamente pelo direito à privacidade, à informação e à não discriminação;
4.2 – Incentivo ao exercício da cidadania, traduzido na capacidade da pessoa com dependência participar na vida colectiva;
4.3 – Participação das pessoas em situação de dependência, ou do seu representante legal, na elaboração do plano de cuidados e encaminhamento para as respostas da rede;
4.4 – Respeito pela integridade física e moral da pessoa em situação de dependência, assegurando o seu consentimento ou do respectivo representante legal nas intervenções ou prestação de cuidados;
4.5 – Envolvimento da família na prestação dos cuidados, enquanto núcleo privilegiado para o equilíbrio e bem-estar das pessoas em situação de dependência;
4.6 – Manutenção ou recuperação permanente da autonomia, que consiste na prestação de cuidados capazes de melhorar os níveis de autonomia e de bem-estar dos utilizadores;
4.7 – Proximidade dos cuidados, de modo a manter o contexto relacional social ou promover a inserção social da pessoa com dependência.
5 – A Rede Mais é composta por um conjunto de redes locais de cuidados integrados de saúde e de apoio social, preferencialmente no âmbito de unidades ou sistemas locais de saúde que abranjam, pelo menos, um hospital e um ou vários centros de saúde.
6 – Cada rede local de cuidados continuados integrados deve estar habilitada com a seguinte tipologia de respostas:
6.1 – Apoio domiciliário integrado – serviço que se concretiza através de cuidados pluridisciplinares, abrangentes e articulados de apoio social e de saúde, a prestar por equipas móveis no domicílio, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana;
6.2 – Centro de promoção da autonomia – estabelecimento de actividade diurna que desenvolve um conjunto diversificado de actividades destinadas à prevenção da dependência e à promoção da autonomia, caracterizando-se como pólo dinamizador de actividades na comunidade, com plena participação dos seus utilizadores, potenciando a sua manutenção no meio habitual de vida e a sua auto-estima;
6.3 – Unidade de apoio integrado transitório – estabelecimento vocacionado para o internamento de média duração, correspondente a um período não superior a 30 dias, cuja intervenção se situa na sequência de internamento hospitalar tecnologicamente mais diferenciado, ou na de agudização de episódio de doença que, embora necessite de internamento, não exige cuidados e recursos tecnológicos muito diferenciados;
6.4 – Unidade de apoio integrado prolongado – estabelecimento vocacionado para o internamento por um período que, em pelo menos 80% das situações, não deverá exceder os 180 dias e cuja intervenção está direccionada, fundamentalmente, para a prestação de cuidados de reabilitação;
6.5 – Unidade de apoio integrado permanente – estabelecimento vocacionado para o internamento pelo tempo considerado necessário e tecnicamente justificado destinado à prestação de cuidados de reabilitação, manutenção e apoio social que não exijam recursos de saúde tecnologicamente muito exigentes ou diferenciados.
7 – Todos os estabelecimentos com internamento de apoio integrado devem prestar também cuidados em regime de ambulatório, em unidade de dia e com apoio domiciliário integrado.
8 – Os diversos tipos de respostas podem ser organizados numa mesma instituição ou serviço, de forma mista, embora com espaços, equipamentos e outros recursos especificamente orientados para cada uma delas.
9 – A Rede Mais incluirá respostas específicas em cuidados continuados para as pessoas com doença mental crónica.
10 – As respostas integradas de cuidados de saúde e de apoio social que constituem a Rede Mais devem orientar a prestação daqueles cuidados de acordo com as seguintes linhas de orientação:
10.1 – Prioridade aos cuidados no domicílio enquanto modalidade facilitadora da inserção social;
10.2 – Flexibilidade nas opções, de modo a garantir fluidez na utilização dos vários níveis e tipos de respostas integradas;
10.3 – Complementaridade e multidisciplinaridade nas intervenções, garantindo continuidade entre as acções preventivas e as terapêuticas;
10.4 – Personalização da acção, a qual deve ser desenvolvida segundo planos individuais de intervenção;
10.5 – Integração de serviços, garantindo a convergência e cooperação entre sectores e ou instituições e a promoção de sinergias protocoladas e baseadas em parcerias.
11 – As redes locais referidas no n.º 5 pressupõem o reforço das responsabilidades sectoriais dos serviços da solidariedade e segurança social e dos serviços de saúde da respectiva área, nomeadamente o dever dos serviços hospitalares, dos médicos de família e das equipas de enfermagem no acompanhamento e colaboração na prestação de cuidados continuados.
12 – O desenvolvimento da Rede Mais concretiza-se através da implantação progressiva das redes locais de cuidados continuados integrados, de acordo com um plano estratégico plurianual que identifique:
12.1 – As necessidades de criação ou reconversão das respostas e respectiva localização:
12.2 – Os recursos a afectar para o efeito;
12.3 – As metas a atingir;
12.4 – Os prazos para a sua concretização.
13 – A elaboração do plano estratégico terá em conta o princípio da equidade e a articulação com a rede social criada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 197/97, de 18 de Novembro.
14 – A criação e coordenação do funcionamento das redes locais são da responsabilidade conjunta do Instituto de Solidariedade e Segurança Social e da administração regional de saúde competente.
15 – É criado um grupo coordenador com representantes dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade, ao qual compete:
15.1 – Elaborar o plano estratégico previsto no n.º 12 no prazo de três meses a partir da data de constituição do referido grupo;
15.2 – Preparar a criação e organização de um sistema de cuidados continuados integrados e conceber e propor formas que assegurem a sua sustentabilidade financeira;
15.3 – Definir as condições de instalação, reconversão e funcionamento das respostas que integram a Rede Mais e o respectivo licenciamento;
15.4 – Definir as formas de contratualização para a prestação dos cuidados continuados integrados e respectivas fontes de financiamento;
15.5 – Definir as qualificações e os perfis formativos dos recursos humanos a afectar à prestação dos cuidados e promover a respectiva formação;
15.6 – Definir os indicadores de avaliação da qualidade, da eficiência e da eficácia dos cuidados prestados;
15.7 – Propor os instrumentos legais para o enquadramento normativo das medidas referidas nos números anteriores.
16 – Ao grupo coordenador compete-lhe ainda articular a acção dos serviços regionais da saúde e da segurança social, bem como acompanhar a oferta das entidades públicas e privadas que se dediquem à prestação de cuidados continuados e o desenvolvimento da Rede Mais na sua fase de implantação, de acordo com o plano estratégico previsto no n.º 12.
17 – A adaptação das estruturas de cuidados continuados criadas no âmbito do despacho conjunto n.º 407/98, de 15 de Maio, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 138, de 18 de Junho de 1998, às tipologias e metodologias da Rede Mais é progressiva, assegurando a continuidade da prestação de cuidados já existente.
18 – Os elementos que integram o grupo de coordenação são nomeados por despacho conjunto dos membros do Governo que tutelam as áreas da saúde e da solidariedade e segurança social.
19 – O apoio logístico de instalação e funcionamento do grupo de coordenação é assegurado pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social.
Presidência do Conselho de Ministros, 28 de Fevereiro de 2002. – O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.