Parecer n.º 90/97

Comissão de Acesso aos Documentos em posse da Administração

Parecer n. º 90/97

Processo nº 223
Data: 1997.09.02
Requerente: A Companhia de Seguros Tranquilidade – Vida, SA.

I – Os Factos

1. A Companhia de Seguros Tranquilidade – Vida SA solicitou, por carta e em data não identificada no processo, informações médicas constantes de relatório hospitalar, elaborado no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, referente a Manuel Nuno Basto Gomes, visando a resolução de processo de atribuição de montantes financeiros devidos em face da existência de um seguro de vida.

2. A Administração do Hospital remeteu-a para a CADA, em ordem a obter um parecer favorável prévio ao pedido do referido relatório, dada a existência de informações nominativas nos documentos solicitados

3. A Companhia de Seguros veio, em conformidade, pedir o referido parecer para obtenção do certificado médico, que afirma ser “fundamental para dar seguimento ao processo de sinistro de Manuel Nuno Basto Gomes, possuidor de um seguro de vida” tendo os serviços da CADA, por indicação do respectivo Presidente, feito preceder a distribuição do processo de um pedido de junção de “documento comprovativo do interesse dos herdeiros no acesso ao relatório clínico e por estes subscrito, ou procuração dos mesmos a essa companhia de seguros para aqueles efeitos”, o que até ao momento não ocorreu.

II – O Direito

1. A Lei nº 65/93, de 26 de Agosto – Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) permite o acesso de um doente ou de terceiros a dossiers hospitalares, o qual, no entanto, será exercido indirectamente, isto é, através de médico (mesmo que o doente seja ele próprio médico) quando os elementos solicitados tiverem carácter clínico, embora o acesso por parte de terceiros a estes elementos deva ser justificado com a demonstração de um interesse directo e pessoal, designadamente e a título prévio junto da CADA, a quem compete dar um parecer que junto ao requerimento o particular entrega na Administração Hospitalar.

2. No caso do pedido de acesso de herdeiros a elementos clínicos de um familiar defunto, por razões ligadas à concretização das cláusulas de contratos de seguro de vida, a CADA tem aceite esse interesse directo e pessoal com a simples invocação da qualidade familiar e da finalidade do acesso, mas em relação a pedidos feitos directamente por outros terceiros, como as seguradoras, é de defender que tratando-se, em última análise, de pagamentos de seguros a beneficiários de segurados, destinatários finais dos montantes em causa, deverá a seguradora demonstrar, por qualquer meio, que eles conhecem a pretensão daquela e concordam com ela como condição para auferir o montante a que têm direito e em relação ao qual mantêm o seu interesse, mesmo que isso implique permitir o conhecimento de dados pessoais que mexem com a memória do familiar, o que viabiliza o impedimento desse acesso quando os herdeiros souberem que a causa da morte ou outras condições não se enquadram nas cláusulas contratuais e, portanto, o desnudar da vida do segurado é desnecessário, por inútil.

3. Acontece que a CADA, para se pronunciar favoravelmente, tem de considerar insuficientes os elementos constantes do processo, não sendo de presumir o interesse directo e pessoal da seguradora, sem qualquer comprovação, só por ser parte num contrato de seguro de vida, sendo certo que o próprio interesse dos beneficiários em aceder às informações pode não existir, por declaração de rejeição do benefício (situação em que não tendo o segurado designado outra pessoa, este se integrará na sua herança), o que impede a CADA de dar o seu parecer favorável ao acesso por parte da seguradora, sem mais. Em boa verdade, o acesso da seguradora deve passar, por princípio, pelo preenchimento das condições previstas no nº 4 do artigo 8º da LADA, mais do que pela integração em situação de interesse directo e pessoal.

4. A questão da comprovação do interesse dos beneficiários do seguro ao recebimento do mesmo e, portanto, do seu interesse na comunicação à seguradora do dossier médico do defunto não pode, neste caso, ser enquadrada porquanto, apesar das diligências da CADA, a seguradora não veio juntar documento donde ele conste, nem sequer de onde se possa deduzir (vg. carta reivindicando o montante do seguro) e do processo não consta qualquer informação identificadora dos referidos beneficiários, o que deixa a Comissão paralisada.

5. De qualquer modo, importará situar, no futuro, o papel da comprovação solicitada ou de outros elementos com pertinência para o processo de elaboração dos pareceres, em termos de boa marcha do procedimento de acesso, distinguindo entre irregularidade do requerimento do parecer, de índole processual, e a falta de condições materiais ou avaliação de provas para a obtenção de parecer favorável da CADA, elementos de índole diversa. Os primeiros a verificar e fazer suprir na apreciação liminar efectivada pelo Presidente da Comissão e os segundos a ponderar pelo relator, a quem cabem todas as iniciativas referentes à fase instrutória e de preparação do projecto de parecer. Ou seja, fica para o despacho liminar sobre o pedido de parecer apenas a verificação de irregularidades processuais referentes ao requerimento (“reclamação”) de parecer e, inexistindo estas, a respectiva distribuição.

Assim, sempre que o requerimento à CADA deva vir acompanhado de quaisquer elementos que faltem ou deficientemente preenchido, o despacho inicial fará suprir, oficiosamente ou através do requerente. Se o requerimento for apresentado à CADA para além do prazo previsto na lei, tal deve ser considerado liminarmente no despacho inicial. Mas já outras deficiências que tenham que ver com o preenchimento de condições viabilizadoras do acesso, em termos de motivação ou de comprovação, por exemplo a exigência da junção de documentos reveladores do interesse de terceiro no acesso a documentos nominativos, desde o contrato de seguro, a autorização do herdeiro ou a comprovação da impossibilidade de a obter ou outros que normalmente pressupõem a qualificação jurídica de dados existentes nos documentos a aceder, a fazer posteriormente, pelo Colégio da CADA sob proposta do relator no seu parecer, devem passar pelo labor deste, sendo, quando necessário, objecto de instrução, devendo aliás os projectos de pareceres de sentido negativo, em situações em que a lei exige um parecer favorável prévio ao requerimento de acesso, isto é, quando são condições da própria apresentação do pedido de acesso à Administração activa, ser notificados ao peticionário para permitir a sua audição sobre o mesmo e a junção de documentos que infirmem a posição prevista da Comissão.

Parecer:

A CADA é de parecer que a Companhia de Seguros Tranquilidade – Vida, SA não justifica, no seu pedido efectivado em 9.5.97 nos termos do nº 3 do artigo 8º da Lei nº 65/93, de 26.8, um interesse directo e pessoal em aceder ao relatório clínico de Manuel Nuno Basto Gomes, pelo que o mesmo é negativo, sem prejuízo de uma reapreciação do caso, a seu pedido ou dos beneficiários do seguro, preenchidas que sejam as condições supra indicadas.

Lisboa, 2 de Setembro de 1997

Fernando Condesso (Relator) – João Figueiredo – Hélio Corvelo de Freitas – José Renato Gonçalves – Branca do Amaral – João Labescat – Armindo José Girão Cardoso (Presidente)